O PS quer ser a cara da luta anti-austeridade em Portugal, retirando espaço ao Bloco de Esquerda e ao PCP. Depois da vitória do Syriza, na Grécia, os socialistas colaram-se à posição do novo Governo grego e afastaram-se da contaminação do partido irmão, Pasok. Do lado da direita, estas movimentações socialistas são vistas como um “oportunismo” e mostram a “esquerdização” de António Costa.
As eleições foram na Grécia, mas a capitalização política não se fez esperar por cá. Socialistas, bloquistas e comunistas juntaram-se à festa do Syriza e puxaram para si os foguetes lançados em Atenas. “O Syriza foi a esquerda vencedora. Como por cá o partido irmão, que é o Bloco de Esquerda, não quer ir para o poder e o Syriza decidiu continuar radical no discurso, mesmo indo para o poder, o PS pensou: e se nós ficássemos irmãos?“, ironiza Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações ao Observador.
Do Largo do Rato, a intenção é aproveitar a boleia de um Governo “anti-austeridade“. Preferem referir-se assim à coligação em vez de falar em radical de esquerda e justificam a colagem ao novo partido grego no poder como uma esperança na mudança da política europeia. Mas só isso. Quanto às ideias do programa, não há juízos nem comentários, o importante são os problemas que os gregos partilham com outros países e que podem abrir portas para quem vier a seguir: Portugal.
“O que faz sentido, e que António Costa disse, é que é bom haver mais um Governo anti-austeridade. É importante que se perceba que sozinho não se vai a lado nenhum e que se coloque as reivindicações a nível europeu”, diz João Galamba, secretário-nacional do partido. Neste momento, diz o deputado ao Observador, “a política europeia tem de mudar e é normal que se saúde um governo que contesta essas medidas”.
Mas não há o risco de António Costa se colar ao Syriza como António José Seguro fez com François Hollande, em França?
“Não é por Hollande ter falhado que se deve deixar de tentar. Claramente há esse risco, mas há sempre risco em política. O importante é que, independentemente do caderno reivindicativo do Syriza (é preciso esperar para ver), há problemas que são partilhados por outros países“, acrescenta.
Enquanto ouvem críticas à colagem, os socialistas justificam esta posição com os ganhos que podem advir da Europa, mesmo quando os responsáveis europeus parecem pouco disponíveis em negociar com os gregos a dívida pública ou outras cedências. “O meu respeito pelo voto da Grécia é o respeito por esta possibilidade agora aberta de a Europa olhar para si mesma com mais atenção e perceber que as pessoas é que são a Europa. Ou seja, aquela coisa de ‘o país está melhor, as pessoas é que não’ é uma tolice. O que se passa na Grécia é uma revolta justa contra essa tolice. E a hipótese de ir por melhores caminhos”, escreveu Porfírio Silva, secretário-nacional socialista no seu blogue.
E como pode agora para futuro o PS usar o exemplo grego? Para o soarista Vitor Ramalho, o PS tem de “apresentar algumas medidas de rutura”, não pode dizer que “vai gerir o que existe, gerir o pântano” nem tão pouco ser “uma Maria-vai-com-as-outras”. Tem de “voltar às origens” e “mostrar alternativas”.
Essas alternativas têm de ser de verdadeira “rutura” à semelhança do que fez o Syriza, mas não tão longe: “Também não digo tanto”. Os socialistas, diz Ramalho, têm de reavaliar a política externa, ver quais as empresas estatais que não podem sair do nosso domínio – incluindo a TAP onde o próximo Governo ainda tem um papel a avaliar – e “explicar à opinião pública que o Governo ultrapassou o Memorando de Entendimento em muitos aspetos, o que é impensável”, nomeadamente, na questão da justiça, saúde, educação.
O Pasok era irmão, mas acabou-se
Os socialistas gregos ficaram na cauda nas eleições legislativas deste domingo, elegendo apenas 13 deputados (4,68%). Mas não foi só o povo grego a virar-lhe as costas. Da direção socialista, saem várias justificações: o Pasok já não é verdadeiramente socialista e o distanciamento foi, até, iniciado por um grego, ex-líder do Pasok, que criou um partido e atual presidente da Internacional Socialista: Geórgios Papandréu.
António Costa foi o primeiro a mostrar que os socialistas portugueses estavam a criar um cordão sanitário em torno do partido irmão grego. Apenas referiu que o resultado dos socialistas gregos foi “muito em linha com o que já tinha tido nas eleições anteriores” e mais não disse. Além disso, os socialistas olham para o resultado do Pasok como uma lição, para quem fez coligações ao centro, como na Grécia.
“O Pasok é uma lição para partidos social-democratas europeus que se aliam à direita para a mesma política, ou implodem ou desaparecem. Quem se alia à direita para a mesma política, perde”, diz ao Observador o secretário-nacional e deputado, João Galamba.
Já o secretário-nacional que tem o pelouro das relações com a imprensa, Porfírio Silva, escreveu no Facebook que “é bem verdade que o ‘partido irmão’ do PS na Grécia foi levado com a água da chuva” e que isso mais não quer dizer que “os partidos que se esquecem de representar os seus… serão atirados para a valeta. Tenho muita pena, Pasok – mas é assim que funciona a democracia representativa”, conclui.
A mesma visão tem Vítor Ramalho. O ex-secretário de Estado da economia do Governo de António Guterres diz que António Costa “fez bem” em distanciar-se do Pasok “porque há partidos europeus que se dizem socialistas e que deixaram de o ser”. Mas mais que isso, o socialista próximo de Mário Soares defende que o Pasok é a prova que uma coligação de governo entre dois partidos tradicionais faz com que se mobilizem mais partidos de rutura, que antes eram apenas movimentos inorgânicos, como os partidos que fazem parte do Syriza: “O PASOK, tendo sido parceiro de coligação nesta fase final é um grande aviso ao PS” porque a “junção de ambos [Nova Democracia e Pasok] numa altura de crise que se prolongou faz com que a alternativa deixe de existir”. Por cá, os partidos mais radicais ainda não têm a mesma força, vaticina porque “essa grande coligação não ocorreu. Senão também aconteceria”.
À esquerda do PS, a intenção de PCP e do BE foi a de uma colagem à vitória do Syriza. O BE, o partido-irmão do Syriza, festejou a vitória de Alexis Tsipras, mas remeteu-se ao silêncio quando já esta segunda-feira, Tsipras anunciou governo de coligação com os nacionalistas de direita, Gregos Independentes.
Hollande, take 2
Do lado dos sociais-democratas, a convicção é a de que o novo Governo grego irá mudar pouca coisa na Europa e que se estará perante um “caso Hollande 2”. Mais: de que a troika e a maior parte dos países europeus não estarão interessados em dar força ao Syriza porque isso contaminaria a política europeia e daria gás os partidos ou movimentos nascidos contra a austeridade da troika.
“Se as propostas do Syriza fossem levadas à prática, isso estimularia os movimentos radicais e extremistas”, comentou ao Observador um ex-ministro social-democrata.
As eleições em Espanha, por exemplo, vão ser em novembro e o movimento Podemos, a esta distância, já aparece em primeiro nas sondagens. O Governo espanhol, preocupado, apressou-se a dizer que o que aconteceu na Grécia “foi um fenómeno exclusivamente grego”.
Por cá, também o PSD como CDS fizeram questão de frisar que há uma grande diferença entre a realidade grega e Portugal (por sinal, na mesma linha que o Governo espanhol) e desdramatizaram a satisfação com que a esquerda recebeu os resultados eleitorais de domingo naquele país. O CDS fê-lo em comunicado, do lado do PSD foi o próprio Passos Coelho esta segunda-feira referiu-se ao programa do Syriza como “um conto de crianças”.
“Se a França que é a França não conseguiu flexibilizar a austeridade, vai ser a Grécia a consegui-lo”
A convicção (ou desejo) é a de que se está perante a repetição do que aconteceu com a vitória de Hollande em 2012. “Se a França que é a França não conseguiu flexibilizar a austeridade, vai ser a Grécia a consegui-lo”, interroga-se outra fonte social-democrata, considerando que há “uma euforia infundada”.
“Estão todos um bocadinho inebriados, mas as ressacas, às vezes. são muito dolorosas”, comenta, em declarações ao Observador o vice-presidente do PSD Carlos Carreiras, acrescentando que António Costa colou-se ao Syriza “para fugir do mais óbvio, a derrota do Pasok [o partido irmão]” e, com isso, ensaiou “uma radicalização à esquerda”.
Mas o teste será bem rápido uma vez que em fevereiro, Grécia e instituições da troika já estarão na mesa de negociações.