Miguel Andrade, 25 anos, jornalista a residir em Lisboa. Utiliza os serviços da Uber desde que a empresa norte-americana começou a operar em Portugal, em julho. Praticamente já não anda de táxi, diz. Primeiro contacto com o universo Uber: Londres, em 2013. Em Portugal, para as deslocações do dia-a-dia, utiliza o serviço UberX, que é o mais económico. “Segurança? Aí é que está. Sinto-me mais seguro num Uber do que num táxi. Às vezes, até tenho vontade de dizer para irem um bocadinho mais rápido”, contou ao Observador.
Rui Meireles, 32 anos, lusodescendente a residir na Suíça. Quando falou com o Observador, preparava-se para entrar num avião com destino a Frankfurt, na Alemanha. Meio de transporte para o aeroporto: um carro do serviço UberX. Cliente habitual da aplicação móvel que tem feito polémica um pouco por todo o mundo, experimentou o serviço português no início de 2015, quando esteve em Lisboa. Desta vez, um Uber Black, aquele que é considerado o serviço de luxo da Uber.
André Abrantes, 27 anos, repórter de imagem a residir em Lisboa. Começou a utilizar os serviços da Uber há cerca de dois meses, com um colega de trabalho. Entretanto, instalou a aplicação e utilizou um voucher promocional para duas viagens, até 20 euros. Conta que achou o serviço “bastante confortável”. Diz que o único senão é o preço, que considera mais elevado do que o dos táxis. “Se pudesse andar sempre de Uber andava. Só o facto de não termos de andar preocupados se temos ou não dinheiro na carteira”, disse.
Miguel Leite, 27 anos, responsável de marketing a residir em Lisboa. Conta que já deve ter andado cerca de 20 vezes em carros dos serviços Uber num mês e que é mais barato do que um táxi. A viagem de estreia foi uma oferta. Aproveitou-a dentro de um carro da gama de luxo Uber Black. “Fiquei tão impressionado que não vou voltar a usar táxi. O serviço é muito melhor e mais prático”, revelou ao Observador.
Uber – as quatro letras que têm provocado a ira dos taxistas um pouco por toda a Europa. “É preciso impedir que a Uber desenvolva atividade em Portugal”, disse Carlos Ramos, presidente da Federação Portuguesa do Táxi ao Observador. “Não é admissível que eles não paguem imposto ao Estado, quando as empresas de táxi pagam IRS, pagamento especial por conta, pagamento por conta, IVA e as contribuições dos empregados à Segurança Social”, afirma.
Nota do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) de 18 de dezembro: “Os serviços alegadamente prestados através da empresa Uber, se se confirmar aquilo que tem vindo a ser publicitado na comunicação social, configuram uma violação da legislação específica dos transportes”. Causa: O transporte público em veículos ligeiros de passageiros só é permitido através do “transporte em táxi” e os condutores de veículos afetos a este tipo de serviço têm de receber formação profissional e estar certificados pelo IMT, entre outras exigências da lei.
“Ainda hoje [28 de janeiro] recebi um ofício do IMT a dizer que a Uber não tem autorização para operar em Portugal, porque não tem alvará ou licença. As empresas de transporte são obrigadas a ter alvará de acesso à atividade e eles não tem”, disse Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL – Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros.
O Observador contactou o Ministério da Economia, responsável pelo IMT, para confirmar esta informação, mas até à hora em que este artigo foi publicado, não obteve resposta. Em dezembro, fonte oficial do Ministério disse ao Jornal de Negócios que a Uber estava a atuar no mercado português apenas no segmento liberalizado e que não concorria com a atividade do táxi.
A Uber argumenta: é uma plataforma de tecnologia que não emprega nem licencia motoristas e que trabalha com empresas parceiras. “Todos os parceiros ligados à plataforma da Uber em Portugal possuem licenças que permitem o transporte comercial de pessoas com motorista privado. Estes parceiros já operavam em Portugal antes da chegada da Uber, e a nossa plataforma liga-os à nossa comunidade de utilizadores”, explicou Rui Bento, country manager da empresa em Portugal.
A discussão está lançada: a Uber pode ou não pode operar em Portugal? Hélder Amaral, coordenador da comissão de economia do grupo parlamentar do CDS-PP – grupo que reuniu com a empresa a 22 de janeiro – explica que, neste momento, a atividade da Uber “não tem enquadramento legal” em Portugal. “O grupo parlamentar está a estudar o assunto para encontrar a melhor solução. Já conheço o serviço noutras cidades e acho que é uma oferta interessante, mas é preciso ponderar os efeitos que pode vir a ter no setor dos serviços de transporte de passageiros”, disse.
"É uma coisa completamente nova"
O facto de a empresa ser uma plataforma tecnológica de serviços para smartphones e não uma empresa de táxi está no centro da questão. “É preciso definir a atividade”, disse Hélder Amaral, referindo que se está a falar de “uma coisa completamente nova” no país. “Para aquilo que a Uber faz, não existe ainda um enquadramento legal”, referiu. Para os taxistas, não há dúvidas: o IMT tem que intervir, disse Florêncio de Almeida ao Observador.
A 1 de dezembro, a deputada do PSD ao Parlamento Europeu, Cláudia Monteiro de Aguiar, questionou a Comissão Europeia precisamente sobre a definição dos serviços da Uber: distorção de mercado ou inovação? Considerando que se trata de um “serviço inovador”, que se enquadra no turismo digital se estende a um conceito mais alargado de sharing economy (economia de partilha) “onde pessoas privadas fazem uso dos seus ativos pessoais para criarem receitas complementares”, a deputada questiona se as proibições verificadas em países como a Alemanha ou a Bélgica não representam um bloqueio à inovação tecnológica.
À Comissão Europeia pergunta ainda: “Não considera essencial abrir este mercado a novas ideias e projetos, uma vez que já estão a surgir novas aplicações semelhantes à supramencionada? Não é mais importante olhar para a proteção dos dados privados, recolhidos pela aplicação, e garantir que os mesmos estejam de acordo com a legislação da União e só sejam utilizados para fins deste serviço?”
Em cima da mesa, são já várias as medidas que visam impedir a Uber de operar no país. A ANTRAL está a receber assinaturas para uma petição que será entregue na Assembleia da República para acabar com o serviço e, caso a petição não resolva o assunto, está disposta a recorrer aos tribunais. Antes, já tinha apresentado uma queixa à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, à qual ainda não obteve resposta. Este sábado, decorre o encontro nacional do setor do táxi, em Lisboa, que vai discutir seis medidas. A primeira é o “combate aos clandestinos, incluindo o denominado transporte Uber”.
Afinal, o que é a Uber e como funciona?
A Uber é uma plataforma que liga utilizadores e motoristas através de uma aplicação para smartphone. Não é um serviço de táxi. Em Portugal, funciona através de parcerias com outras empresas. No nosso país tem disponíveis dois serviços: o Uber Black, o primeiro a operar em Portugal, e o UberX, disponível desde dezembro de 2014. O UberPop, o serviço que tem causado polémica em alguns países, não está disponível em Portugal.
“[O UberPop] É uma plataforma de ridesharing (partilha de boleias) que permite que os utilizadores se liguem a pessoas que estão dispostas a partilhar os seus carros”, explica Rui Bento. Quando questionado sobre se pensa introduzir o serviço em Portugal responde que não tem planos imediatos de expansão, mas que a empresa está “sempre à procura de novas oportunidades”. Sobre a notícia de um motorista em Nova Deli ter alegadamente violado uma cliente, o responsável adiantou que a Uber está empenhada em cooperar com as autoridades para “trazer justiça” ao caso.
Como funcionam então os serviços presentes em Portugal?
O Uber Black, que estreou o mercado nacional, é considerado o segmento de luxo, porque só funciona com carros de gama alta, como Audi A6, BMW série 5 ou Mercedes Benz Class E. A tarifa base deste serviço é de dois euros, a que se soma 30 cêntimos por minuto e 1,10 euros por quilómetro. No mínimo, uma viagem custa oito euros. Se cancelar este serviço, é esse o montante que lhe é debitado da conta.
O UberX, aquele que Rui Bento diz ser a plataforma low-cost da empresa começa com uma tarifa base de 1 euro, em carros Volkswagen Golf, Opel Astra ou Seat Leon. À tarifa base, acresce 10 cêntimos por minuto e 65 cêntimos por quilómetro. No mínimo, tem de pagar 2,50 euros pela viagem. Se quiser cancelar o serviço, paga a mesma tarifa mínima. Nota: em ambos os serviços, não há dinheiro envolvido. O valor da viagem é descontado na conta bancária que tem associada ao cartão de crédito (que é obrigado a incluir para se registar na plataforma). Antes de efetuar o pedido, é lhe apresentada uma estimativa do preço da viagem. Só depois decide se quer ou não avançar.
Quem quiser utilizar um serviço da Uber, deve fazer download da aplicação para um smartphnone, que é gratuita. Depois, cria uma conta pessoal na qual tem de introduzir o número do cartão de crédito e o número de telefone. A plataforma funciona por geolocalização. Quando quiser pedir um Uber, acede à conta – a aplicação assume automaticamente o sítio onde está -, fica a saber quais são os carros dos serviços Black ou X que estão mais perto e quanto tempo demoram a chegar ao local onde se encontra. Por fim, escolhe o serviço que pretende, introduz o local de destino e faz uma estimativa do custo da viagem.
Uber versus táxi: o teste
O Observador testou a aplicação na sexta-feira, 30 de janeiro, de manhã. A experiência é contada na primeira pessoa.
Descarreguei a aplicação da Uber para o meu smartphone na quinta-feira à noite e criei uma conta pessoal. Na sexta-feira de manhã, acedi à app. O sítio onde me encontrava apareceu de imediato: Rua Luz Soriano, número 67, no Bairro Alto, onde fica a redação do Observador. Nesse instante, pude verificar que existiam quatro carros UberX nas proximidades e que o tempo de espera seria de cerca de oito minutos. Definido o local de partida, pedi uma estimativa de tarifa – onde tive de inserir o destino da viagem, a Fundação Calouste Gulbenkian, na Avendida de Berna. Fiquei a saber que custaria entre quatro e seis euros.
Cliquei no botão “Pedir UberX” às 11h10. Esperei alguns segundos até surgir a indicação de que o motorista X demoraria sete minutos a chegar ao sítio onde me encontrava. A acompanhar o nome do motorista, estava uma fotografia, a marca do carro que conduzia (Seat Leon) e a pontuação (4,8) que lhe tinha sido atribuída por outros utilizadores, numa escala de zero a cinco.
Viagem: 13 minutos
Preço: 5,06 euros
Com a indicação de “Motorista a caminho”, percebi que o tempo de espera se mantinha nos sete minutos, mas depois passou para dez, baixou para seis e às 11h21 recebi a notificação de que o Uber estava a chegar. Demorou 11 minutos. Entrei no carro.
O motorista estava vestido com um sobretudo preto, cumprimentou-me com simpatia. Respondi que queria ir até à Gulbenkian e iniciámos a viagem. Não me disse mais nada até que decidi quebrar o silêncio. Conversámos durante o resto da viagem, sem revelar que era jornalista. Perguntei-lhe se podia aceder à internet, respondeu-me que sim, ativou o hotspot do smartphone e deu-me a palavra-chave para aceder. Às 11h34 cheguei à porta da fundação. A viagem demorou 13 minutos.
Quando saí do carro, o motorista mostrou-me, no seu smartphone, o valor da viagem: 5,06 euros. Explicou-me que teria de avaliar a sua prestação na aplicação e que se quisesse podia introduzir o número de contribuinte na fatura. Avaliei o motorista e confirmei que a viagem tinha custado 5,06 euros.
O recibo chegou por email minutos depois, com os detalhes da viagem e um link para o sítio onde podia pedir fatura. Quis introduzir o número de contribuinte, mas não encontrei um campo específico para o fazer. Contactei a Uber e informaram-se que estavam a trabalhar nessa opção. Por enquanto, deveria responder ao email, onde tinha o recibo, e indicar o nome e o número de contribuinte que queria.
Viagem de táxi 1
Viagem: 17 minutos
Preço: 7,95 euros
Voltei à redação para fazer a mesma viagem de táxi. Telefonei para a Cooperativa de Táxis de Lisboa e pedi um veículo para a mesma morada: Rua Luz Soriano, número 67. Eram 12h26. Quatro minutos depois, o táxi, um Mercedes antigo, de cor bege, chegou. Entrei, o taxista cumprimentou-me também com simpatia e disse-lhe que queria ir para a Fundação Calouste Gulbenkian.
Quando me sentei, o taxímetro registava 3,25 euros de tarifa mínima e 0,80 euros (por ter pedido um táxi pelo telefone), ou seja, 4,05 euros. Perguntou-me por onde queria ir e dei-lhe a indicação do trajeto (pelo Príncipe Real e Rua Castilho) que tinha feito com a Uber, mas quis saber qual era a sua opinião. Respondeu-me que achava mais prático ir por outro caminho, pela Calçada da Estrela e pelo Túnel do Marquês. Decidi aceitar a sugestão, para ver as diferenças. Demorou 17 minutos e paguei 7,95 euros. No final do serviço, trouxe a fatura.
Viagem de táxi 2
Viagem: 14 minutos
Preço: 6,95 euros
Como o percurso não tinha sido o mesmo, voltei a repetir a viagem. Chamei um novo táxi para a mesma morada no Bairro Alto, às 13h15 e às 13h20 entrei para a viatura. Outro Mercedes antigo, de cor bege, cujo interior denunciava já vários anos de estrada. No taxímetro, estavam os mesmos valores da viagem anterior: 3,25 euros mais 0,80 euros. O tratamento foi semelhante ao anterior: com simpatia. Fui novamente para a fundação, mas desta vez pedi para ir pelo percurso que o motorista da Uber tinha feito. Fomos conversando e 14 minutos depois chegava ao meu destino. Paguei 6.95 euros e também trouxe fatura.
Há três meses ao volante da Uber
A multinacional norte-americana está presente em 54 países, mas não de forma pacífica. A China proibiu recentemente a empresa de operar e quem for apanhado a infringir a lei terá de pagar uma multa. Em Nova Deli, o serviço foi banido depois da alegada violação de uma utilizadora, mas já foi retomado. Em Espanha, a empresa decidiu suspender a atividade – o serviço disponível era o UberPop – depois de o tribunal ter decretado o encerramento da página. Em França, o Governo também quer proibir o serviço UberPop e em Portland, nos Estados Unidos da América, a empresa concordou em suspender a atividade de forma voluntária, para que as autoridades locais possam preparar nova legislação.
Duarte, nome fictício, é motorista da Uber desde novembro de 2014. Apaixonado por cozinha, é a estrada que sustenta as suas finanças enquanto não consegue viver exclusivamente de outro projeto próprio. Foi o anúncio de recrutamento da B Driven, empresa de transporte de pessoas, que é participada do Grupo Salvador Caetano, que fez com que fosse possível encontrá-lo ao volante de um dos carros ao serviço da aplicação.
Concorreu ao anúncio, foi a duas entrevistas, fez testes de condução em inglês e teve formação específica sobre como devia conduzir, tratar o cliente ou como o serviço funcionava. Duarte explica que a partir do momento em que recebe a notificação no seu smartphone, com a indicação de um serviço, tem 15 segundos para responder. Depois, dirige-se ao local onde o cliente está. “Quando comecei, tinha poucos clientes portugueses, mas agora não. O serviço tem vindo a aumentar”, conta.
Duarte presta um serviço à B Driven, e não à Uber, que tem, por sua vez, uma parceria com a empresa norte-americana. Recebe à hora, independentemente dos serviços que faça, e trabalha por turnos que regra geral são rotativos. Conta que veste sempre um fato cinzento-escuro para trabalhar, que deve perguntar ao cliente se a temperatura do carro está agradável e se a música é do seu agrado. O foco está na satisfação do cliente, conta. “Nos portugueses, nota-se muito a curiosidade sobre como funciona o Uber. Fazem perguntas do início ao fim e cria-se uma empatia com o cliente”, diz.
Rui Bento, responsável pela empresa em Portugal, disse ao Observador que, em Portugal, as plataformas UberX e UberBlack oferecem serviços comerciais de transporte devidamente licenciados, de acordo com os regulamentos e licenças de transportes. “A Uber estabeleceu parcerias com empresas locais e motoristas independentes licenciados”, referiu. Os taxistas discordam.
No dia em que se realiza o encontro nacional do setor dos táxis, a discussão está lançada. “Como uma empresa de tecnologia, o nosso objetivo é ligar utilizadores a motoristas na plataforma para garantir que os primeiros têm acesso a um Uber para viajarem a qualquer hora da noite ou do dia”, disse Rui Bento. “O IMT tem de intervir e apreender a plataforma”, defende Florêncio de Almeida, da ANTRAL. E se houver alteração à lei, entre os táxis e a Uber, vai haver casamento?
*Especial atualizado sábado, 31 de janeiro, às 13h, com informação sobre as questões da eurodeputada Cláudia Monteiro de Aguiar à Comissão Europeia.