Há mais de 2,5 milhões de reformados em Portugal (eu sou um deles). Não estão longe de um terço do eleitorado real. Há mais eleitores inscritos com a complacência dos governos, mas não são reais. Esses 2 milhões e meio de pessoas recebem mais de 3,5 milhões de pensões contributivas e não-contributivas no valor de 27 mil milhões de euros, portanto, uma média individual acima de 10.000 € brutos por ano. As pensões representam cerca de 30% da despesa pública e aproximadamente 15% do PIB. O actual governo foi obrigado a tirar mais de 4 mil milhões de euros directamente do orçamento de Estado a fim de complementar os fundos próprios para as pensões. Segundo toda a probabilidade, o próximo terá de continuar a fazer isso no futuro. Não há nenhuma outra rubrica do Estado português mais importante, seja quanto ao número de pessoas, seja quanto ao volume de recursos.
Como não me canso de repetir, tirando uma reforma político-constitucional que desse de novo as cartas do jogo partidário, as pensões representam, dado o nosso perfil de envelhecimento sócio-demográfico ser um dos mais acentuados do mundo, a questão mais importante a resolver pelo sistema político no seu conjunto. Porém, assim como não haverá, lamentavelmente, acordo entre os partidos para fazer a reforma político-constitucional, também parece intenção dos principais candidatos às próximas eleições tocar o menos possível nas pensões ou, como terá dito o actual primeiro-ministro, «não haverá uma solução muito definida».
Apesar desta fuga dos responsáveis políticos perante a óbvia e urgente necessidade de reformar os sistemas de pensões, começando por unificá-los, a opinião pública tem vindo a intensificar o debate, desde o importante artigo publicado no Observador por Fernando Ribeiro Mendes, antigo secretário de Estado da Segurança Social no primeiro governo Guterres, até à entrevista dada ao jornal Público de ontem por Rosário Gama, presidente da APRE, um grupo de pressão dos reformados do Estado. Como pano de fundo, temos o recente livro de Margarida Corrêa Aguiar, antiga secretária de Estado da Segurança Social do governo Durão Barroso, consagrado à análise da situação presente e à proposta de adopção de um modelo de «conta individual de reforma» parecido com o sistema sueco e já adoptado em numerosos outros países, como a vizinha Espanha, que teve tempo de fazer duas reformas do sistema de pensões desde o início da grande recessão em curso desde 2007.
Nas universidades, o debate também está aberto, como sucedeu na semana passada tanto na Universidade Católica como na Universidade de Lisboa. Neste momento, para mim, já só as divergências partidárias exacerbadas pela campanha para as próximas eleições explicam que os candidatos à governação fujam a assumir as suas responsabilidades perante aquilo que constitui o maior problema material do país, sob pena de o Estado português se encontrar na impossibilidade de pagar as pensões, muito menos as pensões actualmente prometidas a um número sempre crescente de pessoas.
Há mais de dez anos, os governos portugueses perderam lamentavelmente a oportunidade de implementar o «plafonamento» decidido no último governo Guterres e um pouco mais tarde – imagine-se! – o actual líder do PS, António Costa, acusava o ministro Bagão Félix, do governo PSD+CDS, de «não ter coragem», como de facto não teve, para regulamentar um «plafonamento» como aquele que já existia em França há mais de 50 anos e era então limitado em Espanha a 2.800€. Agora é o acusador de então que tem falta de coragem!
Os peritos, contudo, parecem estar a abandonar essa solução em vigor na maioria dos países europeus por causa das dificuldades financeiras envolvidas na transição do actual sistema para a fixação de um «plafond», optando pelo modelo das «contas individuais» introduzido pela Suécia. Os países da UE, que possuem como é sabido os mais robustos e equitativos sistemas de pensões do mundo, têm assim vindo a adoptar as «contas individuais» com todas as cautelas necessárias, mas sem a cobardia de empurrar com a barriga as inevitáveis dificuldades até à bancarrota final.
Eu não sou perito. Porém, uma coisa é certa: não serão o crescimento económico e o regresso ao pleno emprego, repetidamente prometidos pelos vendedores de ilusões mas que têm estagnado há 15 anos por motivos absolutamente estruturais, tais como a globalização, o envelhecimento demográfico, o «estado social» e o capital humano inadequado na educação e na saúde, bem como a protecção ambiental e outros valores que prezamos mais do que tantos bens de consumo dispensáveis, não será, dizia eu, o retorno do recalcado keynesiano que impedirá de explodir a bomba-relógio das pensões. Talvez os eleitores premeiem quem tiver coragem!