2017. O ano em que usar um alfinete de peito se tornou uma afirmação de racismo. A Princesa Michael de Kent usou uma pregadeira com uma figura negra e levou uma avalanche de críticas por alegado racismo.

Como se aproxima uma data festiva que poderá levar a leitora a ostentar algumas joias, recapitulemos o que é permissível. Panteras ou elefantes de ónix e brilhantes? Nunca, que isso é uma elegia à caça grossa. Peças art deco com senhoras chinesas? Afaste esta ideia; é bem provável que seja acusado de apropriação cultural. A cara leitora já sabe: a única representação humana aceitável numa joia é a de um homem branco ajoelhado com uma canga ao pescoço, sendo punido por todo o mal que trouxe ao mundo.

Este ano também comprei uns brincos de ouro e turquesas a uma designer britânica que só usa ouro reciclado, porque a indústria mineira de ouro isto e aquilo. Recomendo, assim, que anexe um cartão visível a cada joia informando em letras gordas que é de ouro reciclado. Pode ser desconfortável e feio, mas garante uma noite sem enraivecer nenhum justiceiro.

2017. O ano em que deixei de perceber alguns artigos que leio nas revistas de sempre. Há tempos apanhei um texto de uma autora com distúrbios depressivos sobre os seus relacionamentos. Ora a autora já tinha tido relacionamentos com todo o tipo de pessoas e descrevia-os com o género, se cis ou trans, e qual a orientação sexual. Ao fim de três ou quatro parágrafos a confusão era tal que já não sabia (nem queria saber) quem era o quê e o que preferia. Na verdade, nem percebi outras categorias referidas pela autora.

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Confere: 2017 foi um ano florescente para as palermices identitárias dos trinta mil quinhentos e quatro nichos sexuais (são mais do que as cores do pantone).

2017. O ano em que descobri que, enquanto mulher, estou arrumada na categoria dos que não têm próstata. (E perdoem-me se me demoro aqui, mas a descoberta foi traumática.) Noutra revista americana, li há menos tempo um artigo sobre sexualidade e saúde sexual. A distinção que faziam não era entre homens e mulheres. Isso seria cliché e falta de sofisticação. No texto usava-se um critério muito mais relevante: os que são proprietários de uma próstata versus os que não são proprietários de uma próstata.

Já os Monólogos da Vagina, que há poucos anos eram uma peça de teatro feminista, estão proscritos. São acusados de serem transfóbicos, um monumento de ódio às mulheres que nasceram homens. Portanto em 2017 estamos assim. Cai mal sugerirmos que uma mulher tem uma vagina e corremos o risco de sermos exilados da sociedade da gente de bem se aventarmos a possibilidade de uma pessoa com próstata não ser uma mulher. De estarrecer e perfeitamente desapropriado é supor que são as mulheres que sempre foram mulheres que sabem o que é ser mulher. E que o conceito de mulher não tem de ser de geometria variável para lá caberem homens.

Não percebo, a sério que não percebo, como é que há mulheres que caem nestas balelas. Alguém vê os homens caírem na esparrela de aceitar discutir se uma mulher que toma testosterona é ou não um homem? Por que carga de água é que as mulheres estão disponíveis para discutir e fazer concessões?

Chegam homens que agora são mulheres, explicam-nos que ser mulher afinal é quando um homem quer e algumas feministas tontas, tão espevitadas noutros lados, amocham. Lembram as mulheres tradicionais incapazes de fazer frente à mania dos homens de tentar mandar no mulherio.

Claro que dentro das feministas esta posição subserviente aos homens trans não é universal. Germaine Greer, Julie Bindel, Jenny Murray, Chimamanda Ngozi Adichie e Natasha Vargas-Cooper, entre outras, já nos deram conta da discordância. Como sempre, foram alvo do escândalo indignado das pessoas muito, muito tolerantes que não suportam quem não pensa de forma exatamente igual. Todas se viram atacadas nos media e Germaine Greer e Julie Bindel foram desconvidadas para conferências. Neste ponto, o da intolerância dos tolerantes, 2017 foi um ano passado a papel químico dos anteriores.

2017. O ano em que António Costa devia ter estado calado. Desta vez nem me refiro à algaraviada em que a dicção de Costa transforma a língua portuguesa. Desta vez atento também ao conteúdo. A má criação, a boçalidade, o nível rasteiro foram regra sempre que nos debates da Assembleia da República Costa se dirigiu a Assunção Cristas e a Passos Coelho. Nem Sócrates, que já praticava um nível subterrâneo, desceu tanto (pelo menos com os microfones ligados). Uma educadora de infância devia, com paciência, explicar ao primeiro-ministro aquilo da democracia representativa: que os políticos da oposição são representantes dos eleitores e se insulta os representantes insulta também os representados.

Mas o pior foi Costa não estar calado fora dos debates quinzenais. Ficarão para os anais da História (indigesta) os famosos e infames (e faço um resumo curto para não vos indispor para a passagem de ano) ‘não me faça rir a esta hora’ (na noite dos mortíferos incêndios de outubro), ‘ó senhor deputado, se quer que eu peça desculpas eu peço desculpas’ (complacentemente no parlamento depois de levar o maior ralhete que um Presidente da República deu, em democracia e fora dela) ou o ‘ano particularmente saboroso’. De facto, não vejo outra forma para categorizar um ano em que por decisões políticas do governo de Costa, incompetências grosseiras, nomeações de amigos socialistas e por aí adiante, tudo a exponenciar o perigo das condições meteorológicas, morreram 111 pessoas em incêndios florestais.

Pelo que o que particularmente desejo para 2018 é ouvir muito menos António Costa. E que o Presidente da República vete a isenção de IVA total para os partidos. Além de paz, felicidade e fim da fome no mundo, claro.