Em virtude da alteração do valor de referência do preço do petróleo, uma das premissas fundamentais ao Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2015, o Governo Angolano procedeu a uma revisão da Lei do Orçamento Geral do Estado para 2015.

Como tem sido noticiado, aquela Lei de Revisão inclui uma autorização para a criação de uma Contribuição Especial sobre as Operações Cambiais de Invisíveis Correntes, para aumento de receitas fiscais e apoio à manutenção de capitais em Angola. Para aquele efeito entende-se por Operações Cambiais de Invisíveis Correntes, as transações, serviços e transferências relacionadas com transportes, seguros, viagens, rendimentos de capitais, comissões e corretagem, direitos de patentes e marcas, encargos administrativos e de exploração, salários e outras despesas por serviços pessoais, outros serviços e pagamentos de rendimentos ou transferências privadas quando efetuadas entre o território angolano e o estrangeiro ou ainda entre residentes e não residentes.

Foi noticiado na comunicação social, embora careça ainda de publicação oficial, que a contribuição venha a consistir numa retenção entre 15% e 18% sobre o valor de todas as transferências de Angola para o exterior e que não correspondam ao pagamento de bens importados (estes já tributados em impostos aduaneiros, cuja pauta foi aumentada significativamente em 2013, o que correspondeu também a um desincentivo fiscal à importação de bens).

A nova contribuição combinará, pois, os seguintes dois efeitos: por um lado estimulará os agentes económicos estrangeiros (investidores, prestadores de serviços, trabalhadores) e até os nacionais, a reterem em Angola os capitais aí disponíveis; por outro, caso a medida não se revele um estímulo suficiente para que tal se verifique, permitirá então uma tributação adicional muito significativa, com o consequente efeito positivo em termos de arrecadação de receita fiscal. Adicionalmente, a introdução da referida contribuição terá também o efeito de discriminar positivamente os nacionais ou residentes, em detrimento dos estrangeiros ou não residentes em Angola (em regra, menos recetivos à manutenção de fundos no país).

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Mas, ao mesmo tempo, esta contribuição terá também o efeito de tornar Angola um destino ainda mais caro, prejudicando a competitividade interna da economia angolana.

Os honorários pela prestação de serviços efetuados por não residentes estão sujeitos a retenção na fonte de Imposto Industrial (II) à taxa de 6,5%. Se a esta tributação acrescermos a nova contribuição especial à taxa de 18% só sobre o valor líquido da retenção de II (93,5% é o valor a transferir para o exterior) teremos uma tributação total de 23,33%. E esta taxa, altíssima no contexto internacional, incide sobre a receita bruta e não sobre a margem de lucro obtida na prestação de serviços. Ou seja, a tributação, só em Angola, pode ser muito superior à margem de lucro, pois poucos negócios terão margens superiores a 23,3%.

E o mesmo se pode dizer dos trabalhadores, cujos salários são tributados em Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT) a uma taxa marginal máxima de 17%. Se ao IRT acrescermos a nova contribuição especial à taxa de 18% só sobre o valor líquido do salário, deduzido ainda de 3% de contribuições para segurança social a cargo do trabalhador (assumindo assim um trabalhador expatriado que não pretenda beneficiar de isenção de contribuição em Angola por descontar para a sua segurança social de origem, o novo tributo incidirá sobre 80% da remuneração, ou seja, sobre o valor passível de ser transferido para o exterior após IRT e segurança social), teremos uma tributação total de 34,4% (correspondente ao IRT e à segurança social, aos quais acresce a nova contribuição especial sobre o valor transferido). E esta taxa também é altíssima no contexto internacional, sobretudo se pensarmos que pode incidir sobre rendimentos relativamente baixos.

Mais ainda, esta contribuição tornará as transferências das famílias para o exterior muito mais caras, ainda que destinadas a apoio familiar, educação, saúde, etc.

Assim, é expectável que os agentes económicos venham a procurar alternativas, sendo a mais óbvia a de reterem os fundos em Angola, nomeadamente no sistema bancário, em dívida pública (no quadro da nova bolsa de títulos de dívida), ou em investimentos imobiliários. Da contribuição podem pois decorrer impactos acessórios positivos na animação da bolsa e na manutenção dos preços do imobiliário.

Adicionalmente haverá, naturalmente, um incremento da receita tributária. Ainda assim é manifesto não ser esse o principal propósito, mas sim o de desincentivar as transferências para o exterior, dada a elevadíssima carga fiscal criada. Com efeito, se o objetivo fosse aumentar receita fiscal, a tributação seria sem dúvida mais moderada e menos proibitiva. O incremento das receitas tributárias parece pois ser um objetivo de segundo plano, uma espécie de compensação caso não seja possível condicionar o comportamento dos agentes económicos.

No entanto, há vários outros efeitos possíveis e muito negativos para a economia angolana – em especial se pensarmos na necessidade da sua diversificação face ao peso excessivo do petróleo.

Por um lado, e no curto prazo, esta situação poderá gerar situações de fraude e de evasão fiscal. Dados os valores proibitivos da tributação, os agentes económicos terão agora um estímulo maior para tentarem contornar a lei.

Adicionalmente, um aumento da litigância, nomeadamente caso a contribuição se aplique a operações às quais tenham sido concedidos incentivos fiscais ou que decorram de contratos já firmados ou de valores já contratados, casos em que os operadores poderão optar por invocar a violação de expectativas legítimas ou o carácter retroativo da contribuição.

Por outro lado ainda, a médio prazo, Angola será menos atrativa quer para a mão-de-obra qualificada, quer para o investimento estrangeiro.

Poderá igualmente criar tensões inflacionistas, pois a aquisição de serviços será mais cara para os operadores locais (porquanto os prestadores estrangeiros tenderão a repercutir, pelo menos parcialmente, a nova tributação nos adquirentes), assim como os quadros expatriados tenderão a exigir um aumento de remuneração. Ora, é expectável que as empresas repercutam este aumento dos custos nos seus preços, contribuindo para o aumento da inflação, a par do aumento dos direitos aduaneiros e das quotas de importação, que estão já a gerar efeitos significativos nos preços dos bens.

E em caso de repercussão dos novos custos dos bens e serviços adquiridos pelas petrolíferas, constituirá um estímulo adicional para a suspensão dos investimentos destas empresas em Angola, situação que já se observa, dada a queda do preço do petróleo.

Assim, e porque poderão decorrer vários efeitos nefastos para a economia da nova contribuição, e dada a necessidade de diversificação da economia angolana (no duplo sentido de diversificação de produto – petróleo – e de geografia – Luanda -) é expectável que a contribuição especial seja temporária, com um prazo de vigência pré-estabelecido e muito curto e que seja retirada logo que recuperada a normalidade na cotação do petróleo. Essa limitação no tempo teria ainda o efeito positivo de incentivar a permanência em Angola dos agentes económicos e de reduzir o incentivo à fraude e à evasão, pela introdução de uma meta temporal pré-fixada. Mais, sabendo-se que os poderes legislativos são sempre lestos a criarem novos tributos e muito relutantes em removê-los depois de criados, a fixação de um prazo de vigência limitado logo à partida é muito importante, para contrariar essa inércia legislativa.

Porém, ainda que venha a ter uma vigência temporária, pré-estabelecida, parece fundamental que projetos estruturantes no quadro da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP) possam beneficiar de isenção daquela nova contribuição, caso visem aquela dupla diversificação (produto e geografia), sobretudo em setores estratégicos como infraestruturas, utilities e agroindústria.

Jaime Carvalho Esteves
Head of Tax, Angola, Cabo Verde e Portugal

Pedro Calixto
Country Senior Partner, Angola