Será que ninguém quer uma guerra na Península da Coreia? Todos dizem não querer, mas resta saber se o líder norte-coreano é, no mínimo, tão responsável como o pai ou o avô e se o Presidente norte-americano tem consciência das consequências desastrosas de um conflito com o emprego de armas de destruição massiva. Resta esperar que nenhum deles perca o controlo e dê ordem de atacar.

A crise na Península da Coreia não tem paralelo com qualquer outro acontecimento depois do aparecimento e do emprego da bomba atómica em 1945. Não pode ser comparada com a crise das Caraíbas, em 1962, porque, por exemplo, Kim Jung-un não é Nikita Kruschov e Donald Trump não é John Kennedy. Além disso, não estamos perante um confronto entre duas superpotências, mas entre uma superpotência e um Estado pária com bombas atómicas e de hidrogénio.

Porque será que Kim Jung-un não receia desafiar os Estados Unidos e o mundo e continua a preparar novos testes de mísseis balísticos e bombas nucleares, mesmo quando o Conselho de Segurança da ONU condena essas acções?

Primeiro, porque o dirigente norte-coreano continua a contar com a tolerância da China e da Rússia, pois nenhum destes dois países quer a reunificação de uma Coreia à semelhança do que aconteceu com igual processo na Alemanha em 1989. Caso isso aconteça, ninguém tem dúvidas que será a Coreia do Sul a absorver a do Norte devido ao seu maior potencial económico e industrial. Isso levaria a um reforço significativo da presença militar na região.

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Além disso, o comunismo desapareceria da Coreia do Norte e os seus antigos dirigentes poderiam ir parar à barra dos tribunais, no melhor dos casos, ou serem linchados pelos próprios cidadãos.

Para Pequim e Moscovo, o ideal seria voltar ao processo de conversações entre as duas Coreias e estendê-lo o mais possível. Mas, para isso, é necessário que a China tenha uma influência real na política de Kim Jung-un e este não mostre ser um paranoico e revele possuir instinto de sobrevivência pessoal, pois não parece preocupar-se muito com a vida do seu povo.

As potências ocidentais continuam a insistir no aumento das sanções a fim de obrigar o dirigente norte-coreano a iniciar conversações sobre o desarmamento nuclear, mas Pequim e Moscovo consideram que elas são contraproducentes. O Presidente russo, Vladimir Putin, considera mesmo que “eles [na Coreia do Norte] irão comer erva, mas não renunciarão ao programa [nuclear] se não se sentirem em segurança”. Putin talvez se tenha esquecido que, devido à fome reinante no “paraíso de Kim Jung-un, há muito que numerosos norte-coreanos já a provaram.

Se os testes de mísseis e bombas continuarem na Coreia do Norte e as sanções não derem resultados reais, deve-se concordar com os que defendem que se deve “deixar em paz” os norte-coreanos? Claro que se trata de uma proposta absurda e demagógica, pois o regime norte-coreano será uma ameaça cada vez maior não só para a região da Ásia, mas para todo o mundo.

Por isso, continuo a acreditar que a chave da solução do problema se encontra nas mãos da China. Trata-se de uma grande oportunidade para Pequim mostrar o seu peso nas relações internacionais. E pode fazer isso de diversas formas: ou obrigar Kim Jung-un a dialogar ou tentar substituí-lo por algum político norte-coreano mais moderado. A direcção chinesa tem grande tradição no que respeita a golpes palacianos. Putin também poderia dar uma ajudinha.

Tanto a China, como a Rússia poderão sofrer graves “danos colaterais” mesmo que não se envolvam directamente no conflito, pois a radioactividade não reconhece fronteiras.

P.S.: Não me surpreendeu a posição de Jerónimo de Sousa face a este problema. Durante o discurso de encerramento da Festa do Avante!, atirou as culpas da crise para cima dos Estados Unidos. Mas as declarações foram tão absurdas que, no dia seguinte, veio falar numa “preocupação legítima” face ao comportamento da Coreia do Norte. Só as primeiras declarações foram sinceras, pois o PCP é “consequente”, mesmo quando está em causa a sobrevivência da humanidade.