“A luta dos trabalhadores vai intensificar-se”. O governo “tem necessariamente de dar uma resposta muito mais dinâmica nos próximos tempos”. Os dois avisos citados vêm da boca do líder da CGTP, o braço sindical do PCP. Num momento em que, no governo, se prepara o Orçamento de Estado para 2018, é óbvia a tentativa de condicionar as opções políticas. Menos óbvio, mas muito mais importante de entender, é o significado destas movimentações: o PCP chamou os sindicatos porque percebeu que, nesta fase, amarrado à geringonça e sem condições políticas para “roer a corda”, se esgotou a sua força negocial junto do governo.

Não é a primeira vez que tal coisa acontece. Quando, em 2013, o governo PSD-CDS enfrentou a sua mais dura crise, com o pedido de demissão de Paulo Portas, a solução política encontrada foi o reforçar do compromisso do CDS no governo. O partido de Portas ganhou uma nova pasta, a da Economia, e o seu líder ascendeu à posição de vice-primeiro-ministro. Ou seja, a partir daquela hora, o CDS passou a co-assinar todas as decisões do governo. Não faltou, à época, quem visse neste resultado o brilhantismo táctico de Portas – como se a crise política tivesse sido deliberadamente engendrada para produzir este desfecho. Mas essa leitura está evidentemente errada. Após o Verão de 2013, o CDS ficou tão mergulhado no governo que perdeu a margem de manobra que, até então, tinha usado para criticar e influenciar o rumo das opções políticas (as célebres linhas vermelhas). Isto é, perdeu a sua influência negocial. Sim, do ponto de vista formal, saiu reforçado. Mas, na prática, o reforço dos seus poderes foi ilusório, pois ganhou limitações à sua acção que antes não tinha. Resultado: ficou preso ao PSD.

O episódio do CDS em 2013 resume bem a situação que hoje se vive no PCP. Ao apoiar no parlamento um governo PS, o PCP ganhou preponderância sobre as opções políticas do governo. Mas, esse poder de influência tem-se revelado menor do que previsto e tende a esvair-se com tremenda velocidade. Sim, houve ganhos imediatos para o PCP nos transportes e na educação, sectores vitais para a CGTP, que os comunistas tinham urgência em resgatar. Mas, para além disso, pouco ou nada se viu. Por um lado, as medidas emblemáticas (como o fim dos cortes nos vencimentos da função pública ou o aumento do salário mínimo) eram compromissos já assumidos pelo PS. Por outro lado, a contenção orçamental nos serviços públicos ou no investimento público pouco separa Mário Centeno de Vítor Gaspar. As mãos do PCP estão longíssimas do fundamental.

Na política, a melhor forma de calar alguém incómodo é atribuir-lhe poder e responsabilidades. Aconteceu com o CDS, em 2013, tal como acontece agora com o PCP. Com uma diferença fundamental, repleta de implicações: ao contrário do CDS, o PCP é o motor da oposição política em Portugal, através das suas estruturas sindicais. Isto dá-nos dois ângulos de leitura. O primeiro diz que amarrar o PCP é determinante para silenciar a oposição. O segundo lembra que o PCP terá sempre as estruturas sindicais para pressionar o governo quando, a nível parlamentar, estiver impedido de o fazer.

O primeiro ângulo é aquele que interessa ao PS e que o PCP tolerou enquanto sentiu compensação em ganhos de influência política. O segundo ângulo é aquele que despontou nas últimas semanas. Hoje, apesar de andar de mão dada com o PS, o PCP vê-se quase tão pouco influente como foi nos anos da troika – na segurança social, nas finanças, na economia, na saúde, cada reivindicação comunista é negada pelos ministros da tutela. Ora, até onde irá o PCP para retomar uma posição de força? Não há muitas hipóteses. Ou se liberta do PS e das suas políticas. Ou força o PS a ceder aos seus interesses e pedidos. A CGTP está no terreno a tentar a segunda, apesar dos respectivos custos orçamentais incomportáveis para o plano de Centeno. Os olhos dos comentadores estão sobre o PSD, mas a longevidade do governo, sobretudo após as eleições autárquicas, será ditada por este braço-de-ferro.

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