Estive no passado fim de semana em Portugal e fiquei admirado com a obsessão de alguns com o que chamam a “direita radical do Observador”. O nosso caçador mor de conspirações políticas, Pacheco Pereira, vê na “na nova direita radical do Observador” a “cabeça e o comando” do PSD. Grande Observador, tão novo de idade e já tão influente politicamente. Nas mesmas páginas do Público, um historiador, Manuel Loff, chama à “direita organicamente organizada” no Observador uma “trupe de neoconservadores que povoam os media a título de liberais.” Desconfio que o historiador Loff nunca deverá ter lido um livro sobre o pensamento neoconservador ou sobre o pensamento liberal. Ainda pasmado com estes artigos, vi na noite de Sábado, a partir do Congresso do PSD, o programa Eixo do Mal, onde os quatros humoristas residentes voltaram à carga com a direita radical e extremista do Observador e com uma suposta vontade de conquistar o PSD.
Vale a pena tratar dos temas centrais levantados por esta gente ilustre. Em primeiro lugar, o Observador como um grupo “organicamente organizado”. Escrevo no Observador desde a sua fundação, há mais de dois anos, e nunca discuti um único tema dos meus artigos com alguém da direção editorial, ou com qualquer outro colunista. Nunca. O José Manuel Fernandes, o David Dinis e o Miguel Pinheiro são testemunhas disso. Dos colunistas regulares, os únicos com quem converso frequentemente sobre política é com o Rui Ramos e com a Maria João Avillez. De resto, não conheço o Alberto Gonçalves, conheço a Helena Matos de há muitos anos, mas só falei com ela uma vez desde que o Observador foi criado. Com o Paulo Tunhas, nunca falei desde o início do Observador. O Alexandre Homem de Cristo foi meu aluno há muitos anos e nunca mais falámos desde então. E não conheço a Maria João Marques nem a …. É verdade que estas pessoas estão de acordo em relação a muitas questões, mas há cronistas e jornalistas no Observador que pensam de um modo muito diferente. Se existe alguma conspiração política entre os colunistas do Observador, desconheço-a em absoluto. Mas provavelmente o Pacheco Pereira, o Manuel Loff, o Pedro Marques Lopes e o Daniel Oliveira conhecem o Observador melhor do que eu.
Em segundo lugar, também vale a pena perder um pouco de tempo com o termo “radical”. Em política, o termo radical é normalmente usado para definir movimentos e partidos extremistas e anti-democráticos, defensores de regimes autoritários e totalitários. Por exemplo, a União Soviética, a Alemanha nazi, a Itália fascista, a China de Mao, a Espanha de Franco, Portugal de Salazar, e o Chile de Pinochet foram regimes políticos extremistas (obviamente com grandes diferenças entre eles). No mundo ocidental, continuam a existir dois países com regimes políticos radicais, Cuba e a Venezuela. Os partidos que defendem estes regimes ou os que existiram no passado são, por definição, partidos radicais.
Hoje na Europa, há partidos na extrema direita que defendem medidas radicais herdadas dos regimes fascistas, como a Frente Nacional em França ou a AfD na Alemanha. Tal como há partidos de extrema esquerda que continuam a defender as experiências totalitárias comunistas, como o Podemos, o movimento de Melenchon em França, o De Linke na Alemanha e, no nosso país, o PCP e o BE. Convém ainda sublinhar que há pontos comuns importantes entre os radicais de extrema direita e os de extrema esquerda. É assim natural, como escreveu Paulo Rangel, que os deputados do PCP e do BE no Parlamento Europeu votem na maioria das vezes ao lado da extrema direita.
Voltando ao Observador, nunca li, ouvi ou vi alguns dos cronistas defenderem regimes ou partidos totalitários ou autoritários. Pelo contrário, um dos pontos centrais que unem todos estes cronistas é a defesa absoluta da liberdade política e a condenação de qualquer experiência totalitária ou autoritária. O Observador pode ter muitos defeitos, mas tem certamente uma enorme virtude: um amor incondicional pela liberdade. Só por isso, teria um enorme orgulho em colaborar com o Observador. Claro que há outra maneira de definir o termo radical. Para a oligarquia comunista, a existência de um partido liberal na União Soviética teria sido vista como uma experiência “radical”. Nesse sentido, para pessoas como Loff, Daniel Oliveira e outros da extrema esquerda, vozes liberais como as do Observador são “radicais”. Pela parte que me toca, é um elogio ser visto como um “radical” pela esquerda marxista. Obrigado camaradas.
Por fim, a tentativa de instrumentalizar o PSD é talvez a acusação mais ridícula e infundada de todas, sobretudo quando é feita por pessoas como o Pacheco Pereira ou o Marques Lopes que conhecem muito bem o PSD e já tentaram influenciar antigos líderes, tendo obviamente falhado, para bem do partido. Eu também trabalhei e conheço bem alguns antigos líderes do PSD e sei que é quase impossível um grupo de pessoas por si só influenciar a orientação ideológica do PSD. Se alguma vez tive esperança que tal coisa acontecesse, perdi-a há muitos anos. As orientações ideológicas e doutrinárias do PSD são resultado da sua história, do pensamento dos seus líderes e do posicionamento do seu eleitorado. Pacheco Pereira e Marques Lopes podem dormir descansados. Mesmo que o Observador tentasse de manhã à noite ser a “cabeça e o comando” do PSD, não conseguiria. De resto eles sabem muito bem, mas precisam de atacar o Observador para beneficiar as suas carreiras de comentadores.
Quero deixar uma palavra final em relação ao eleitorado do PSD. No meu caso, sou uma pessoa da direita liberal. Em Portugal, só poderia votar no PSD (a maioria das vezes) ou no CDS (já votei algumas vezes). Sou, em suma, o típico eleitor AD. Estou seguro que há em Portugal muitos eleitores que se identificam como sendo de direita e a maioria deles vota no PSD. Por exemplo, o Jornal Negócios publicou esta semana um estudo de opinião interessante. Cerca de 83% do eleitorado do PSD prefere entendimentos à direita com o CDS. Apenas 8,6% prefere entendimentos à esquerda com o PS. Julgo que é revelador sobre o posicionamento político dos eleitores do PSD.
Com Rui Rio haverá uma distância maior entre a orientação ideológica da liderança e o posicionamento do eleitorado natural do partido. Há assim, para o PSD, um duplo perigo: a incapacidade de mobilizar o seu eleitorado e a fuga de parte dele para o CDS. Este perigo revela um problema mais profundo em relação ao modo como em Portugal se discute o posicionamento politico do PSD. Pessoas como Pacheco Pereira e Marques Lopes preferem fazê-lo com base no percurso biográfico e no pensamento dos seus líderes, desde Sá Carneiro até Rui Rio. Eu julgo que é mais importante analisar as preferências do eleitorado e menos as dos dirigentes. Mas, claro, eu sou liberal. Eles, obviamente, não são.