Uma das principais ilusões na Europa é de que a Aliança Atlântica constitui a maior ameaça externa para Moscovo. Se a NATO não se tivesse estendido até às fronteiras com a Rússia, Putin seria um moderado e poderíamos desenvolver tranquilamente relações económicas e comerciais com o grande mercado do leste euro-asiático. É um erro muito perigoso pensar assim. A União Europeia constitui, para o regime de Moscovo, uma ameaça tão grande ou mesmo maior do que a Aliança Atlântica. Basta recordar que o conflito na Ucrânia começou por causa do acordo económico e comercial entre a União Europeia e Kiev. Não foi por causa da NATO. Putin limita-se a usar o alargamento da NATO para criar divisões entre os europeus e os norte-americanos. Mas o desenvolvimento económico da Ucrânia, com a ajuda europeia, seria a maior ameaça para o poder do Kremlin.
A União Europeia representa tudo o que Putin vê como uma ameaça: regimes democráticos, economias abertas, liberdades individuais, direitos humanos e integração pacíficas entre países. Para a Rússia, o senhor do Kremlin pretende autoritarismo, uma economia centralizada, relações hegemónicas com os seus vizinhos e o recurso à guerra como um instrumento de política externa. E Putin também acredita que a União Europeia está em declínio como resultado das suas contradições e fraquezas. Compete-lhe ajudar e explorar esse declínio.
O Kremlin prossegue uma dupla estratégia. No interior da União Europeia, ajuda as forças políticas nacionalistas e anti-europeias. Desde o Syriza e o seu parceiro de coligação, ao UKIP e à Frente Nacional, dos Le Pen. A subida ao poder de Marine Le Pen significaria a possibilidade do regresso à velha política czarista de aliança com a França contra a Alemanha. No plano externo, a política europeia russa visa a destabilização da União Europeia, quer através da diplomacia económica e do gás, comprando países como Hungria e a Bulgária, ou pelas ameaças à segurança dos vizinhos europeus da Rússia, como as repúblicas Bálticas. Não será de excluir um pretexto para uma intervenção militar num dos países Bálticos, por exemplo a Estónia, para proteger a minoria russa.
Desde a guerra na Geórgia, no Verão de 2008, Putin está a testar os países europeus. A resposta fraca de então levou à invasão da Ucrânia em 2014. Com a guerra da Ucrânia, Moscovo demonstrou que ao contrário dos europeus está disposto a usar a força militar para prosseguir os seus objectivos políticos. A ausência de uma resposta militar a uma ação agressiva num país Báltico seria o fim da NATO mas também da União Europeia como uma força política – e seria ainda um forte abalo para o Euro. Como reagiriam os mercados se um país da zona Euro fosse atacado pela Rússia e a União Europeia não reagisse de um modo determinado?
Putin e o seu regime são mestres na arte de explorar as fraquezas e as divisões europeias. Aliás, há uma segunda ilusão europeia sobre as intenções de Moscovo. A narrativa dominante olhou para a Rússia nos últimos quinze anos como um país a caminho da democracia, apesar dos inúmeros obstáculos a enfrentar. Mais um erro. Putin e os seus apoiantes nunca quiseram construir um regime democrático ou aproximar a Rússia do Ocidente e da Europa. Em 1999, o sucessor do KGB tomou o poder na Rússia e a partir de então construiu um regime autoritário. O objectivo foi esse desde o início. De resto, deve ser a primeira vez na história da Europa em que um país é governado pelos serviços de inteligência e usa os seus métodos para reforçar o poder interno e se expandir externamente.
As hesitações da União Europeia levantam questões incómodas mas importantes: terão as lideranças políticas europeias a preparação para enfrentar desafios de natureza geopolítica? Mais, será que as sociedades europeias estarão dispostas a pagar o preço de um confronto longo com a Rússia? A União Europeia não foi construída como um projecto geopolítico. Mas se não for capaz de lidar com ameaças geopolíticas, estará condenada. Graças à Rússia.