Ultimamente tem sido comum acusar o governo de aplicar austeridade de esquerda quando, na verdade, tinha prometido virar a página da austeridade. Há até quem acuse o governo de ser tão obcecado com o défice como o anterior. Pela parte que me toca, gostaria que ficasse claro que estas acusações são, na verdade, um elogio e não uma crítica. E se, de facto, este governo conseguir atingir um défice orçamental de 2,5% do PIB, será óptimo e, do ponto de vista orçamental, não haverá muito em que se possa criticar o governo. Basicamente, substituíram impostos directos por indirectos. Infelizmente, as informações que recebemos a esse respeito do governo e da UTAO são contraditórias, pelo que teremos de aguardar. Mas o que me traz aqui hoje não é a meta do défice. Gostava, isso sim, de perceber o que é distingue a austeridade de esquerda da de direita. Não tenho dúvidas de que há uma retórica de esquerda e uma retórica de direita e, em algumas políticas, essas diferenças fazem-se sentir, naturalmente. Mas, o que nos diz a história das austeridades em Portugal?

Uma das primeiras medidas austeritárias foi tomada no tempo de Durão Barroso, era Manuela Ferreira Leite a ministra das Finanças. Além de querer prender os funcionários dos CTT, Ferreira Leite congelou os salários da função pública. Isto deve ser austeridade de direita. Já o governo socialista de 2005 congelou as carreiras da função pública. Austeridade de esquerda, portanto.

Saltemos para os anos de chumbo da austeridade, iniciados em 2010, com o PEC-1. Nesse pacote, o governo comprometia-se a reduzir a despesa com salários da função pública, introduzir tectos em várias prestações sociais (do regime não contributivo), convergência da CGA com o regime geral da Segurança Social, cortes no subsídio de desemprego, cortes na saúde, etc. Isto é austeridade de esquerda. No PEC-2, houve mais austeridade de esquerda: aumentou-se o IVA, o IRS, o IRC e o imposto do selo. Logo a seguir e ainda em 2010, com o PEC-3, tivemos uma dose redobrada de austeridade de esquerda: cortes nas horas extraordinárias, redução do investimento público, aumento de taxas de vários serviços públicos, aumento da contribuição dos funcionários públicos para a CGA e cortes salariais dos funcionários públicos. Ainda houve mais uma tentativa de austeridade de esquerda, com o PEC-4, mas que foi chumbada no parlamento, porque o PSD era contra que se aumentassem mais impostos. Com esse chumbo caiu o governo de esquerda e veio a austeridade de direita.

Logo em 2011, houve uma sobretaxa de IRS de 3,5% que nos levou meio subsídio de férias e aumentos do IVA. Já dá para perceber que a austeridade de direita é completamente diferente da austeridade de esquerda. Mas não fica por aqui. Em 2012 houve mais austeridade de direita. Corte dos subsídios de férias e de Natal para funcionários públicos e pensionistas, redução no subsídio de desemprego, mais aumentos de IVA, alargamento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que incidia só sobre as pensões muito altas, aumentos de IRS, aumentos dos impostos sobre as mais-valias, aumento de IRC, da derrama sobre lucros, do IMI, etc. Em 2013 haveria mais umas medidas, como o aumento do horário de trabalho dos funcionários públicos, mas já chega de exemplos e peço desculpa se troquei algum ano.

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Já em 2016, os acordos à esquerda obrigaram à redução do IRS e reposição de salários e pensões a um ritmo mais acelerado que o previsto pelo governo anterior, bem como um IVA reduzido para os copos menstruais. Mas como a obsessão pelo défice é a mesma, a austeridade foi transferida para todos os impostos que não estavam incluídos nos acordos. Tivemos então aumentos de impostos sobre os combustíveis, tabaco, IRC, IUC para deficientes, etc.

Não sei muito bem o que os meus leitores acham, mas parece-me que basta olhar para os três parágrafos anteriores para perceber que a austeridade de esquerda e a de direita são tão diferentes como o vermelho do encarnado. Mesmo o novo imposto Mortágua parece ser um mero agravamento de um imposto criado por Passos Coelho. Da mesma forma, a proposta de levantamento do sigilo bancário para combater a fraude fiscal também já tinha sido proposta pelo PSD em 2005.

Não podendo, por razões políticas, aumentar mais os impostos que mais receitas geram (IRS, IRC e IVA) e não havendo muitos mais impostos para aumentar, resta aos governos inventar novos impostos. Imaginação não falta, agora fala-se em taxar o sal e a gordura. Se o imposto sobre a gordura for para a frente, imagino que o argumento principal tenha a ver com o de promover a saúde da população.

Se esse for o objectivo, mais vale fazer como no Japão, onde, desde 2008, as pessoas são obrigadas a medir anualmente a barriga sendo ilegal ter uma cintura grande (85 cm para os homens e 90 para as mulheres). As empresas com muitos empregados gordos arriscam-se a pagar pesadas multas, especialmente se com o passar dos anos os seus empregados não perderem os quilos devidos. Os efeitos desta lei foram fantásticos. Os poucos gordos que existiam no Japão rapidamente perderam os quilos a mais. Algumas empresas, para evitarem multas, passaram a servir apenas refeições saudáveis nas suas cantinas. Outras obrigam os seus trabalhadores a meia hora de exercício matinal.

Ao fim anos a combater com insucesso as gorduras do Estado, está na altura de dar o passo lógico seguinte: eliminar os gordos.