O entusiasmo que António Costa tem gerado nas hordas socialistas torna evidente que o PS ainda não entendeu duas importantes lições impostas pela crise económica. A primeira é que já não basta prometer mudanças para alcançar o poder – a tradicional alternância política entre grandes partidos de governo está ameaçada. A segunda é que um projecto político com futuro tem de passar por um repúdio pelas opções do passado. Ora, o presidente da câmara de Lisboa lançou-se à conquista do partido, sobretudo para fins de sobrevivência política – sem margem para se candidatar à presidência da república, por causa de Guterres, atirou-se às sobras. Não apresentou uma ideia, uma medida, um projecto. Nem sequer uma diferença que o distinga da actual liderança socialista. Mas as diferenças estão lá. E denunciam o quanto o PS decidiu passar ao lado destas lições.

A primeira diferença é a imagem. Ao contrário de Seguro, Costa é telegénico, circula nos bastidores mediáticos e tem uma espécie de aura cool que lhe garante imunidade noticiosa. Exemplo? Costa negoceia a recolha do lixo com os sindicatos e cede em toda a linha, resultando numa factura de 2,25 milhões de euros para a capital – mas a notícia surge como uma vitória: Costa conseguiu que houvesse recolha do lixo. Outro exemplo? Seguro e Passos têm fama de boys partidários, crescidos e alimentados pelos partidos em que militam. Costa, que milita no PS desde a adolescência e através do PS ocupou cargos políticos consecutivamente nos últimos 30 anos, tem fama de ser um grande político.

Ou seja, a imagem de Costa vale mais do que as suas ideias, das quais aliás tem prescindido. Isto é, de resto, um bom reflexo dos tempos de sobre-exposição mediática em que vivemos, nos quais reinam o politicamente correcto e o imediatismo. Medida em número de likes no facebook, uma boa ideia para o país vale sempre menos do que uma gaffe. O melhor é não arriscar. Quando se está na oposição, as eleições ganham-se com sorrisos. E ficando calado.

Reconheçamos que a táctica funcionou durante uns tempos. Os mesmos em que a alternância política entre grandes partidos era tão natural que se ia a votos apelando à mudança, como quem diz “agora é a minha vez”. Só que, entretanto, o mundo mudou, e a queda dos partidos tradicionais de poder está aí para o demonstrar. A alternância deixou de estar garantida. E prometer a mudança já só é agregador se essa estiver alicerçada numa alternativa política clara e perceptível. Em tempos de austeridade, com salários e empregos ameaçados, as pessoas querem soluções, e à falta de boas estão dispostas a aceitar as más. Já ninguém está para aturar vacuidades ou sorrisos telegénicos. Ou se tem um projecto político, ou não se tem. E Costa não tem.

A segunda diferença entre Seguro e Costa são as companhias. Seguro passou três anos a tentar livrar-se da claque socrática que herdou, Costa depende dela para atingir a liderança. Não é mania da perseguição, é um facto. O grupo parlamentar do PS, escolhido por Sócrates, já se declarou quase integralmente contra Seguro, reeleito líder pelo partido há cerca de um ano. E um dos principais apoiantes de Costa, o Deputado Pedro Nuno Santos, já deu o mote. Em entrevista ao semanário SOL (12.06.2014), reconheceu que “nós não temos nenhum problema com Sócrates”. E em artigo no jornal i (11.06.2014), diagnosticou o problema do PS: “deixámos que se consolidasse no país a ideia de que estamos em crise porque o governo anterior gastou de mais”. A história repete-se. Um partido que não aceita o lado negro do seu passado arrisca-se a repeti-lo – e, claro, não terá futuro.

Sim, Seguro não construiu uma alternativa política, o PS vai passar uns meses contando espingardas e Costa até pode ganhar. Mas o entusiasmo socialista com tal possibilidade, assim sem mais nem menos, é revelador de que algo está mal pelos lados do Rato. O que distingue Costa de Seguro não é muito mais do que a imagem e a herança socrática – a da arrogância e do vício do endividamento. Que o PS acredite poder construir um projecto de mudança sem uma alternativa e à base de planos telegénicos é preocupante. Que o PS opte por rejeitar o presente e sonhar com o passado é trágico. Pior do que tudo, é revelador de que os socialistas não perceberam nada do que aconteceu ao país desde 2010.

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