O Orçamento de Estado para 2016 (OE 2016) implica vários problemas políticos para o governo, com destaque para quatro.

Problema n.º 1: a austeridade não acabou – na verdade, este OE 2016 aumenta a carga fiscal em percentagem do PIB e ainda falta perceber realmente o impacto que as opções do governo terão na classe média. Há uns dias, o governo assegurava que não aumentaria os impostos. Afinal, aumentou. É, pois, incontestável que o PS fracassa na sua ambição de estabelecer um projecto de governação alternativo à actual linha austeritária de Bruxelas – aquela que os seus dirigentes vilipendiaram nos últimos dias.

Problema n.º 2: a cedência negocial a Bruxelas tem custos políticos. A diferença entre o OE 2016 e o esboço enviado para Bruxelas demonstra um PS disposto a abdicar de toda a agenda que caracterizou o seu pensamento económico desde Maio 2015. De resto, a cedência do governo perante a Comissão Europeia (CE) é incompatível com as garantias do primeiro-ministro de que as críticas da CE eram meras “tecnicalidades” – a mentira teve perna curta. Entretanto, todo o processo negocial afectou a confiança e a credibilidade externas que Portugal adquiriu a muito sofrer – arriscou-se tanto para isto?

Problema n.º 3: o OE 2016 é várias vezes incoerente com as bandeiras políticas do PS. Por exemplo, na educação, após tanto criticar o desinvestimento de PSD-CDS na escola pública, o OE 2016 prevê um corte no funcionamento das escolas públicas em 200 milhões de euros (-4,4%) e um aumento de 14 milhões de euros no financiamento aos privados (+6%). Ou, por exemplo, em relação ao investimento público, essa urgência nacional para os socialistas e que no OE 2016 leva com um corte de -5,6%. Ou, ainda, em relação à função pública, que prevê uma redução de 10 mil efectivos, quando há uns meses se acusava PSD-CDS de promover uma sangria nos quadros do funcionalismo público.

Problema n.º 4: os três problemas acima terão consequências na relação do PS com BE e PCP. Como tal, é legítimo que esses partidos ainda tentem impor as suas posições (nomeadamente na educação) e que isso promova alguns desequilíbrios orçamentais ou tensões na hora da votação. A consequência é óbvia: se esta experiência negocial for tão árdua quanto se antecipa, torna-se muito improvável que António Costa esteja disponível para negociar um OE para 2017 com BE e PCP – ou seja, tentará subir nas sondagens para poder forçar eleições antes de Outubro.

O que há de interessante na soma destes quatro problemas é que ela nos conduz a uma situação que, com as devidas adequações, é curiosamente similar à do Syriza, na Grécia, após a vitória eleitoral em Janeiro de 2015. Tsipras assumiu o papel de herói patriótico, prometeu o fim da austeridade, enfrentou Bruxelas, cedeu à Comissão Europeia, apresentou um duríssimo pacote de austeridade que favorecia os funcionários públicos, libertou-se da ala mais radical entre os seus apoiantes, assegurou elevados níveis de popularidade, forçou novas eleições legislativas e venceu-as. Costa também prometeu, também enfrentou, também cedeu, também acusou os adversários de traição à pátria e também apresentou um OE 2016 que eleva a carga fiscal mas beneficia os funcionários públicos. Falta-lhe o resto: libertar-se da ala mais radical (o PCP), subir nos índices de popularidade, forçar eleições e ganhá-las. O roteiro está escrito.

De facto, se há lição que Tsipras ensinou é que as derrotas contra Bruxelas são um excelente ponto de partida para alcançar vitórias eleitorais e estabelecer um projecto de poder. António Costa agarrou-se à possibilidade. O problema, obviamente, não é se o seu plano será (ou não) bem-sucedido. O problema é que, com ou sem sucesso, esse plano arrisca a recuperação do país – tanto no equilíbrio orçamental e económico como na credibilidade externa. Tsipras teve de sacrificar a Grécia para permanecer primeiro-ministro. Em Portugal, António Costa parece disposto a seguir-lhe as pisadas.

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