Nesta fase, ainda não se conhece o detalhe dos valores orçamentais para a Educação – apenas os grandes números. Mas, infelizmente, esses grandes números dizem já muito do que será o próximo ano nas escolas: estrangulamento financeiro, escassez de recursos e muitas medidas prometidas que, por falta de condições humanas e materiais, nunca sairão do papel. Eis quatro pontos críticos revelados pelo Orçamento de Estado 2020 (OE 2020) na Educação.

1: o orçamento das escolas vai diminuir. Se leu que o OE 2020 traz um ligeiro aumento (1%) para a Educação, então prepare-se para uma explicação desagradável. Sim, o orçamento total do ministério da educação sobe 1%, mas isso acontece devido a reforços orçamentais que não incidem directamente nas escolas. Por exemplo, o aumento particularmente relevante (+80 M€) nos serviços e fundos autónomos – ou seja, nos organismos sob a tutela do ministério que têm autonomia de gestão – ou nas actividades cobertas em receitas consignadas (+137 M€). Mas quando olhamos para o que acontece nas escolas propriamente ditas, reparamos que as verbas destinadas ao seu “funcionamento em sentido estrito” caem 5% (-258 M€). Sem o detalhe orçamental, que virá apenas no período da discussão parlamentar de especialidade, é difícil dizer ao certo o que é que isso representará na vida das escolas. Mas inevitavelmente implicará menos recursos (humanos e materiais) para lidar com as necessidades dos alunos.

2: a Educação não é uma prioridade política. Há uma regra de ouro nas políticas públicas: para descobrir as prioridades de um governo, interessa menos o que dizem os governantes nos discursos e interessa mais onde efectivamente alocam os recursos (nomeadamente financeiros). Ora, se a Educação aparece sempre como prioridade nos discursos, na prática os últimos orçamentos (OE 2020 incluído) provam que não o é exactamente. Se olharmos para o orçamento do ministério da educação em percentagem do PIB (figura 1), reparamos que o crescimento da economia não está a ser direccionado para a Educação e que (proporcionalmente) há cada vez menos dinheiro colocado no sistema educativo. Desde 2011, os 3 anos com menor investimento em percentagem do PIB são 2018 (3,03%), 2019 (3,09%) e 2020 (3,08%). Muito longe de 2011 (3,72%) ou de 2013 (3,50%) ou até de 2015 (3,14%). Se olharmos para todos os orçamentos iniciais desde 2002 (quando se passou a usar o Euro nos relatórios), o desinvestimento estratégico na Educação é perfeitamente visível nos últimos anos.

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3: ainda estamos abaixo do investimento na Educação em 2011. Uma das narrativas políticas do actual ministério da educação consiste na celebração de um reforço orçamental contínuo na Educação desde 2016. Ora, com a economia a crescer e após um período de assistência financeira com inevitáveis cortes orçamentais, reforçar as verbas na Educação era o mínimo exigível – e, portanto, não dá direito a medalha. Neste assunto, uma das questões que importa é esta: esse reforço orçamental já repôs os níveis pré-crise de investimento nas escolas? A resposta é não.

Comece-se pelo óbvio: o valor inicial do actual OE 2020 (6517 M€) permanece inferior ao valor inicial do OE 2011 (6547 M€). Ou seja, a “recuperação” orçamental, que na versão inflacionada do governo é próxima de mil milhões de euros, é um bocado menor do que se julga. De resto, os dados comprovam-no (figura 2). Olhando não às promessas de investimento mas sim às verbas orçamentais que efectivamente foram investidas (execução orçamental), o que se constata é que, nos quatro anos de 2016 a 2019, o aumento da verba do ministério da Educação correspondeu a 600 M€ (comparativamente ao orçamento executado em 2015). Mais importante é verificar que dois terços desses 600 M€ (ou seja, 400 M€) apareceram logo em 2016 (sobretudo através da devolução dos rendimentos aos funcionários públicos). Ou seja, desde então, em três anos, o orçamento executado aumentou uns míseros 200 milhões de euros (uma média de 67 M€ por ano). Isto recorda dois desafios: primeiro, que o “investimento na educação” é sobretudo devolução de salários; segundo, que para uma economia em crescimento “acima da média europeia” (como o primeiro-ministro afirma sucessivamente de forma aliás demagógica), isto tem de ser visto como muito insuficiente.

4: não há visão estratégica para o sistema educativo. As políticas públicas exigem que se proceda a diagnósticos sobre os problemas e que para eles se procurem as melhores soluções. E, depois, que se criem condições para que estas sejam realmente implementadas. Numa frase, exigem que se pense a longo prazo e que se tomem opções com base numa visão estratégica. Ora, das muitas leituras possíveis do OE 2020 na Educação, há uma que é tristemente consensual: este OE 2020 não corresponde a uma visão estratégica, mas sim a uma gestão corrente do sistema educativo, que passa por confiar no sacrifício dos directores e dos professores para manter tudo a funcionar.

Dois exemplos demonstram-no. Primeiro, aquele que fere os olhos nas tabelas do OE 2020: o pré-escolar. Depois de nos explicarem repetidamente (e bem) que o investimento no pré-escolar era uma prioridade estratégica (por ter um elevado impacto na probabilidade do sucesso escolar dos alunos), a verba executada em 2019 é muitíssimo inferior ao que havia sido previsto para este ano: dos 564 M€ previstos, apenas 504 M€ foram realmente executados. A diferença para o que ficou por executar (isto é, o dinheiro previsto que não se usou) é grande (cerca de 11%) e surge precisamente em contradição com o discurso do governo, que fez bandeira com o reforço do pré-escolar em 2019 com vista a universalizar o seu acesso. Afinal, ficou muito aquém e abaixo de investimentos em anos anteriores – por exemplo, em 2018 (552 M€) e em 2017 (541 M€). A verba prevista para 2020 é, de resto, inferior à inicialmente prevista para 2019.

O segundo exemplo é a ausência de respostas no OE 2020 para aquele que, ano após ano, é diagnosticado como o maior desafio do sistema educativo: o peso das desigualdades socioeconómicas no percurso escolar dos alunos. Ainda recentemente, este aspecto foi reafirmado pela avaliação do PISA 2018, da OCDE, e é notável como o Orçamento da Educação continua a passar ao lado disto. Não, os problemas não se resolvem atirando-lhes dinheiro para cima. Mas as soluções eficazes (apoio individualizado aos alunos, melhores condições para despiste de barreiras de aprendizagem, mais inovação para ajustar o ensino às necessidades dos alunos) requerem recursos humanos e materiais. E, sobretudo, não são compatíveis com um sistema educativo a funcionar no limite.

Conclusão. Este Orçamento na Educação vai cortar no funcionamento das escolas, vai confirmar a perda de relevância política da Educação, vai ficar aquém dos valores de 2011 e vai optar pela gestão corrente (no limite das capacidades das escolas) em vez de em apostas estratégicas. Fazer um Orçamento de Estado é fazer escolhas e as escolhas têm consequências. Há, portanto, que as assumir. E este OE 2020 é, na prática, mais do mesmo, quando se tornou evidente que mais do mesmo já não chega.