“Este Governo está a destruir a escola pública com o corta, corta, corta, até à asfixia de todo o sistema de ensino público”. A denúncia é de Mário Nogueira (Fenprof), a propósito do Orçamento de Estado para 2014, logo após deitar fogo a um exemplar do dito. Um ano depois, com o Orçamento de Estado para 2015 sobre a mesa, Mário Nogueira asseverou que esse documento constituía um “corte assassino na Educação”, uma vez que esta era “uma das áreas sociais mais martirizadas nos últimos anos pelos cortes orçamentais”. Agora que a proposta de Orçamento de Estado para 2016 (OE2016) introduziu ainda mais cortes para o sistema público de Educação e um inédito aumento do financiamento aos privados, como reage Mário Nogueira? Com um simples amargo de boca.
É assinalável a diferença que existe, para a Fenprof, entre a austeridade da direita e a da esquerda – a primeira merece condenações aos infernos, a segunda dá azia. Contudo, o que a todos deveria inquietar não são as expectativas frustradas da Fenprof, mas sim o que está por detrás delas: o desfasamento interno do OE2016 para o ensino básico e secundário. É que, lendo o relatório do OE2016 (p. 142-146), as medidas que animam a esquerda estão lá todas enunciadas, embora nunca se perceba de onde virá o dinheiro para as implementar. Aliás, o que se vê, efectivamente, é que o OE2016 introduz um corte orçamental face à execução de 2015 – e isso torna muito improvável a existência de condições para cumprir com as medidas previstas no OE2016. Por isso, das duas uma: ou o ministro da Educação não planeia cumprir o seu orçamento, ou o ministro não planeia cumprir as suas promessas. Mário Nogueira percebeu-o e daí a indigestão: seja de uma forma ou de outra, o OE2016 para o ensino básico e secundário parece não bater certo.
Dois exemplos. Primeiro, “a universalidade da oferta da educação pré-escolar dos três aos cinco anos” (p. 144 do relatório do OE 2016). A medida consiste em garantir que, para as famílias que desejem matricular os seus filhos no pré-escolar, o Estado proporciona uma vaga num estabelecimento público ou financia a frequência num estabelecimento privado. Tudo certo. Mas essa garantia do Estado implica um aumento de despesa no pré-escolar, especificamente porque a oferta pública existente não é suficiente para receber todas essas crianças, em particular as de 3 anos (mesmo contando com a queda demográfica). Ou seja, para incluir as crianças com 3 anos, o Estado terá de investir em novas instalações ou estabelecer mais contratos com privados. Com que dinheiro? O que consta no OE 2016 é a diminuição da dotação específica para o pré-escolar (quadro IV.11.1) em 5 milhões de euros (-1,4%) – e não surge qualquer referência suplementar a apoios por via da segurança social. A contradição é gritante e levanta legítimas dúvidas.
Segundo, “a generalização da «Escola a Tempo Inteiro» em todo o ensino básico” (p. 144). A medida representa uma extensão do horário (cerca de duas horas diárias suplementares), possibilitando às crianças a permanência na escola até mais tarde – e sem custos para as famílias. Como é fácil de perceber, a sua aplicação obriga a um reforço dos recursos humanos, pois há que assegurar o acompanhamento adequado aos alunos até ao final do dia. Ora, no OE2016 isso não está reflectido. Pelo contrário, o que se sabe é que o “funcionamento em sentido estrito” das escolas perderá 200 milhões de euros (-4,4%). Por isso, mesmo que em parte o objectivo do governo seja impor sobre as autarquias esse esforço financeiro (e isso será pacífico?), não se antecipa como os agrupamentos de escolas conseguirão encaixar a sua parte de despesa suplementar num orçamento que encolheu.
Há mais dúvidas – por exemplo, quanto custará e como será pago o novo programa de educação para adultos? Aliás, são tantas as dúvidas que é forçoso concluir que, à primeira vista, alguma coisa nos números e no texto do OE2016 do ensino básico e secundário não coincide. É certo que, depois de uma errata de 46 páginas, já ninguém se surpreenderá com erros e imprecisões no OE2016. Mas o que está aqui em causa vai mais longe: é perceber-se se, com estas contradições, subsiste realismo nas propostas e no orçamento para a Educação. Era bom que isso ficasse esclarecido.