Todos os analistas, nacionais e internacionais, parecem saber exactamente as razões dos surpreendentes resultados das eleições britânicas da passada quinta-feira. Pela minha parte, receio ter de declarar que não sei. E receio também ter de dizer que vejo estes resultados como mais um sério sinal de alerta para as forças demo-liberais euro-atlânticas, mais à direita ou mais à esquerda, pró-brexit ou anti-brexit.
Tenho lido as inúmeras análises, nacionais e sobretudo internacionais. Nos primeiros dias após as eleições, li-as com voracidade. Gradualmente, continuei a lê-las, mas com cepticismo. Todas invariavelmente omitem a explicação do fenómeno mais preocupante destas eleições britânicas: a subida aos 40% do partido trabalhista, sob a égide do anti-ocidental Jeremy Corbyn — que na verdade representa uma profunda ruptura com a nobre tradição ocidental do partido trabalhista britânico. É um fenómeno em parte semelhante à eleição de Donald Trump nos EUA, em profunda ruptura com a nobre tradição ocidental do partido republicano americano. E é também semelhante ao crescimento dos partidos populistas no continente europeu.
Os europeístas, no Reino Unido e sobretudo no continente, dizem alegremente que o resultado das eleições britânicas exprimem um voto contra o “brexit” ou, pelo menos, contra o “hard-brexit” alegadamente defendido por Theresa May. É uma explicação muito gratificante, mas esquece vários problemas. Em primeiro lugar, Corbyn não é nem nunca foi claramente contra o “brexit”; em segundo lugar, se o voto fosse dominantemente contra o “brexit”, deveria ter ido para o partido liberal-democrata — o único que realmente se propunha re-discutir a saída da UE; em terceiro lugar, as sondagens indicam que uma confortável maioria, acima dos 60%, parece agora aceitar a saída britânica da UE.
Existe depois a explicação dos conservadores-liberais “pró-brexit”, encabeçados por Charles Moore, biógrafo de Thatcher, e Fraser Nelson, director da Spectator. Há várias semanas, justiça lhes seja feita, eles vinham criticando a campanha de Theresa May em diversos pontos importantes. Disseram que ela abandonara o tradicional programa conservador-liberal de mercado livre em troca de um crescente intervencionismo estatal; que abandonara a defesa do comércio livre contra a burocracia europeia, em troca de uma simples defesa nativista das fronteiras; finalmente, que abandonara a defesa de um programa de ideias, em troca de uma obsessiva tónica na sua liderança pessoal.
Pessoalmente, creio que estas eram críticas inteiramente justificadas à campanha eleitoral de Theresa May. Mas, receio ter de voltar a dizer que também elas não servem para explicar a surpreendente votação em Jeremy Corbyn. Ele tinha e tem tudo o que aqueles autores criticaram em Theresa May, só que em doses tóxicas. Por que motivo iriam os eleitores críticos do estatismo de May votar no ultra-estatismo de Corbyn?
Foi Nigel Lawson, antigo ministro das Finanças de Thatcher, que, em meu entender, tocou num ponto nevrálgico. Disse ele no Telegraph de sábado que, se os conservadores começam a fazer um discurso estatista, serão sempre ultrapassados em estatismo pela esquerda estatista. E que, quando se abandona a batalha das ideias em defesa da sociedade aberta, os inimigos da sociedade aberta passam a ser vistos apenas como “puros idealistas”.
Penso que o alerta de Nigel Lawson devia ser levado a sério — não só pelos conservadores britânicos, mas pelos políticos demo-liberais em geral, sejam eles mais à direita, ou mais à esquerda, pró-brexit ou anti-brexit, do Reino Unido ou do continente europeu, e também da América.
A nossa vida política euro-atlântica tem tomado como adquirido o consenso demo-liberal liderado por Margaret Thatcher e Ronald Reagan na década de 1980: o consenso fundado na democracia representativa e na economia de mercado e empresa livre. Mas este consenso funda-se em valores distintivos da civilização ocidental. Se estes valores forem esquecidos ou silenciados, o que sobra é apenas um arranjo político como qualquer outro — que os seus inimigos voltarão impunemente a acusar de “capitalista”, “oligárquico” e “egoísta”.
Não se enfrentam os inimigos da sociedade aberta com quezílias menores sobre “hard” ou “soft” brexit, nem sobre “mais Europa” ou “menos Europa”. Podemos certamente conviver civilizadamente com diferentes opiniões sobre essas matérias. Mas não podemos nem devemos conviver tranquilamente com o crescimento dos populismos anti-ocidentais no interior da aliança euro-atlântica. É tempo de parar com guerrilhas vulgares sobre temas menores e encarar de frente a batalha de fundo: a batalha das ideias para restabelecer a defesa da tradição ocidental da liberdade sob a lei.