Apesar de não defender explicitamente nenhum dos cenários do Livro Branco sobre o Futuro da União Europeia, o Presidente Juncker deixou pistas importantes sobre as suas preferências no discurso do Estado da União. Fazendo a ressalva de que a UE se deve concentrar nas coisas importantes e deixar o resto para os Estados membros, referindo em particular a criação de uma task force para rever os princípios de subsidiariedade e proporcionalidade, no seu discurso Juncker não apresenta sugestões concretas de devolução de poderes aos Estados membros, o que sugere que tende para o campo “fazer mais, todos juntos”.

Esta opção é ambiciosa mas expectável, vinda do Presidente da Comissão Europeia. E representa o pontapé de saída para os debates importantes nacionais e supra-nacionais que serão necessários para definir um rumo para a União Europeia, agora que a crise financeira parece ter sido ultrapassada e a crise de refugiados abrandou.

O discurso põe a política económica no centro das prioridades com a referência inicial à proposta de abrir negociações para novos acordos comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia. Não há dúvida que o Mercado Único teve um impacto muito positivo na prosperidade e na qualidade de vida dos cidadãos europeus. Mas as relações comerciais com os países extra-UE ficaram na sombra até aos recentes acordos, nomeadamente com o Canadá. A dimensão do Mercado Único da UE permite ter uma posição vantajosa nas negociações comerciais com outros Estados e regiões que é preciso aproveitar. Para Portugal, seria importante aproveitar este élan para valorizar a sua vocação atlântica, defendendo junto da UE acordos com os PALOPs ou países da América do Sul.

Na área do euro, Juncker defende o plano ambicioso de incluir todos os países da UE na moeda única. Esta ideia tem de ser vista como uma visão de muito longo prazo mais do que uma realidade para o médio prazo. O alargamento da utilização do euro tem de ser precedido de reformas profundas da governação económica. Para esse efeito, o Presidente Juncker propõe a nomeação de um novo ministro europeu da Economia e das Finanças, que presidiria ao Eurogrupo e teria como missão promover a coordenação económica e financeira e estabilização entre os Estados membros da UE e apoiar as reformas estruturais, em combinação com o já existente serviço de apoio às reformas estruturais.

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Esta proposta não é nova, mas a concretização dada pelo Presidente Juncker é interessante. O enfoque não é só, nem sequer de forma prioritária, a coordenação das políticas orçamentais, mas é uma visão mais alargada da coordenação e de estabilização económica e financeira. Sob esta forma, um ministro da Economia e das Finanças teria também como objetivo assegurar que os custos do ajustamento ainda necessário em alguns países não se tornam incomportáveis.

O novo ministro seria também responsável pelo estabelecimento do Fundo Monetário Europeu, a partir do atual Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que se tornaria um verdadeiro instrumento de estabilização económica. Esta ideia, que tinha sido lançada aos restantes Estados membros pelo anterior primeiro-ministro Passos Coelho ganha uma nova dinâmica entrando agora nos planos concretos da Comissão Europeia para o futuro.

Na área financeira, Juncker defende a criação do Sistema Único de Garantia de Depósitos, ressalvando, no entanto, a necessidade de fazê-lo apenas quando os Estados membros tiverem realizado as reformas necessárias aos seus sistemas financeiros. O Presidente parece estar a defender o atraso na implementação deste braço da União Bancária, o que me parece desnecessário, já que este sistema de garantia de depósitos é fundamental para aumentar a confiança das famílias e das empresas no setor bancário, promovendo também por essa via o objetivo da estabilidade financeira.

O presidente Juncker apresentou uma visão de longo prazo de uma União mais forte, mais do que uma proposta. Na área da economia e das finanças, essa visão inclui medidas que são desejáveis e úteis para Portugal, e podem ser implementadas no curto e no médio prazo. Portugal esteve na linha da frente de algumas destas propostas, nomeadamente, desde maio de 2015 com a proposta da criação de um Fundo Monetário Europeu. É importante continuar no pelotão da frente e ganhar credibilidade política para poder insistir nas reformas que estão a ficar para trás e que nos interessam, como é o caso do Sistema Único de Garantia de Depósitos.