O fim da União Europeia seria a maior tragédia política que se poderia abater sobre a Europa. Se isso acontecesse, a paz no continente não duraria muito tempo, algumas democracias resistiriam ainda menos tempo, e seria o fim do Estado social, pelo menos em todo o sul da Europa. Apenas os países do norte teriam dinheiro para pagar políticas sociais dispendiosas. Sobretudo para Portugal, seria trágico. O regime democrático, a prosperidade económica, as políticas sociais, a abertura e a modernização da nossa sociedade estão intimamente ligados à Europa. Indo-se a Europa, tudo o resto poderia ser destruído a seguir.

Alguns amigos meus na direita desconfiam do meu “europeísmo”. Não dizem por amizade, mas acham que fiquei contaminado pelos anos que passei a trabalhar na Comissão Europeia. Obviamente que não fiquei porque já transportava o vírus quando cheguei a Bruxelas. Se alguma coisa aconteceu foi o meu europeísmo ter resistido a seis anos de Comissão (é um vírus forte). Eu, pelo contrário, acho que muitos deles levam demasiado a sério o “Spectator” (erro que nunca deve ser cometido) e por vezes confundem Portugal com a Inglaterra. Lamento, mas Portugal precisa da Europa de um modo que a Inglaterra nunca precisará.

Ainda mais do que Portugal, a Europa precisa absolutamente da União Europeia. Mas os ares europeus, neste momento, só nos podem deixar pessimistas. A “crise do Euro” está apenas, temporariamente, esquecida, mas não acabou. E a questão mais importante não é a financeira. O problema de fundo é o crescimento económico. A zona Euro continua a crescer muito pouco. Sem mais crescimento económico, a “crise do Euro” voltará, mais tarde ou mais cedo, e a actual configuração do Euro estará condenada a prazo.

No caso de Portugal, o modelo de crescimento económico constitui o ponto mais relevante. O governo acredita que o consumo interno constitui o caminho para o crescimento. É um erro pelo qual os portugueses já pagaram (e muito) e voltarão a pagar. O anterior governo acreditava, e bem, que o crescimento teria que ser feito pelas exportações e pelo investimento externo (daí, as privatizações). Mas para a dupla receita das exportações/investimento externo funcionar, é necessário aumentar a produtividade, oferecer benefícios fiscais e manter as finanças públicas equilibradas. Caso contrário, não haverá investimento externo. Numa Europa sem problemas, Portugal poderia sobreviver sem crescimento económico. Mas numa Europa que enfrenta problemas existenciais, tudo o que correr mal na economia portuguesa será muito mais grave.

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A crise dos refugiados tornou-se no primeiro problema existencial da União Europeia. Desde logo, ameaça o princípio fundamental da livre circulação entre países. Sem fronteiras abertas, não há União Europeia. Mas o maior sarilho reside na localização da crise dos refugiados. O centro da crise está na Alemanha. Dito de um modo mais colorido, a Alemanha é a “Grécia” da crise dos refugiados. Tal como a Grécia sofreu com o défice financeiro, a Alemanha sofre com um défice de refugiados. Tal como a Grécia precisou da ajuda dos seus parceiros, a Alemanha necessita do apoio dos outros países da União Europeia. Hoje, grande parte do debate na Alemanha é sobre a falta de solidariedade dos parceiros europeus. Mais, a maioria dos alemães acha que o seu país ajudou outros durante a crise do Euro, mas agora enfrenta só a crise dos refugiados. Sei que muitos em Portugal (ou na Grécia, ou em Espanha) não pensam assim, mas isso é secundário. O que conta aqui é a percepção dos alemães. Se a maioria dos alemães chegar à conclusão que o preço a pagar pela integração europeia é insustentável e inaceitável, a União Europeia está condenada. E o debate já começou na Alemanha.

Em 2016, o Reino Unido votará sobre a continuidade do país na União Europeia. O referendo britânico será a questão europeia mais importante durante o próximo ano. Mas o governo conservador só ganhará o referendo se conseguir concessões na negociação com os seus parceiros europeus. O tema central parece ser os benefícios sociais para os imigrantes vindos de outros países europeus. Londres quer restrições durante um período de quatro anos, e a maioria dos outros países não aceita. Uma negociação séria e bem feita permitiria um acordo sem grande dificuldade. Mas os tempos não facilitam as negociações sérias.

Está a crescer no Reino Unido aquela mistura fatal entre nacionalismo e isolacionismo que leva muitos a acreditar que o estrangeiro é uma ameaça e a solução está na proteção das fronteiras nacionais. Por outro lado, está também a crescer nalgumas capitais europeias e sobretudo em Bruxelas a ideia de que a União beneficia se nos livrarmos dos impuros. Estaria na altura de recomeçar de novo com um grupo mais pequeno de “puros europeístas”. Os “puritanos” acreditam que após a saída da Reino Unido, a União seria reconstruída à volta da zona Euro, sem os “nacionalistas” da Europa Central que só incomodam e sem alguns dos indisciplinados financeiros do sul que se tornaram muito caros.

A União Europeia pode não estar próxima do fim, mas poderá estar a iniciar o caminho para mudar as suas fronteiras institucionais. Num cenário destes, a posição de Portugal na União salta para a primeira linha. E a questão de estar dentro ou fora (da zona Euro) volta a ser central. Não faltam ironias à história. Um governo socialista levou Portugal para o Euro. Um governo socialista poderá ter que enfrentar a questão da manutenção de Portugal no Euro. Será que o governo já discutiu estas questões com os seus camaradas? Ou está à espera que o problema surja, para voltar a saltar o muro e olhar para a direita?