Ao lermos certas análises sobre o referendo na Catalunha, ficamos com a impressão de que todos os meios são válidos para justificar a atitude dos separatistas catalães, não faltando meias-verdades e demagogia.
Francisco Lousã, no seu comentário no Público, recorre ao exemplo do referendo sobre a independência do Curdistão iraquiano como um bom exemplo para justificar a justeza dos que defendem a realização de escrutínio semelhante na Catalunha.
Claro que este ideólogo do Bloco de Esquerda, a fim de justificar as suas posições, esconde as consequências tenebrosas que poderá ter o resultado do primeiro referendo não só para os curdos, como também para o Iraque, Síria, Irão e Turquia.
O povo curdo é o maior povo que vive sem Estado único, mas a criação deste implica a revisão de fronteiras de quatro países numa região por si só já explosiva. Francisco Lousã não disse, por exemplo, que o Iraque não exclui o emprego da força militar para travar o separatismo curdo. O mesmo prometem os governos da Turquia e do Irão, que concentram tropas na fronteira com o Curdistão iraquiano. Alguns analistas vaticinam até uma “guerra mundial” na região.
Por isso é demagogia escrever, como faz Francisco Lousã, que, no caso curdo, “não houve prisão de governantes regionais, invasão policial, ameaças financeiras ou outras violências”, isto para condenar as medidas do Governo de Madrid e justificar o separatismo catalão. Aqui, seria mais honesto olhar para as consequências que podem ter os vários referendos, não absolutizar o direito dos povos à autodeterminação em prejuízo do princípio da integridade territorial dos Estados.
Com a sua “coerência” habitual, o Partido Comunista Português diz ser outro defensor incondicional do direito dos povos à autodeterminação, embora seja mais do que sabido de que essa força política defendeu, ao longo da sua história, aquilo que Moscovo mandava. O PCP reconheceu todas as violações do direito à autodeterminação desde que ele fosse “contra o socialismo”. Que se saiba, os comunistas portugueses nunca condenaram a ocupação soviética de vários Estados na Europa e, hoje, acalentando o sonho de que a Rússia é uma espécie de URSS, apoia os resultados do referendo da Crimeia, realizado por Vladimir Putin sob ocupação militar, sem o mínimo controlo internacional.
Escusado será dizer que o PCP nega qualquer direito de autodeterminação dos uigures ou dos tibetanos da China enquanto os comunistas chineses estiverem no poder.
A forma como ocorreu a desintegração da Jugoslávia deve estar presente quando analisamos a realização de referendos sobre o destino deste ou daquele povo. A força e o redesenhar de fronteiras a bel-prazer dos mais fortes não são uma solução dos problemas, mas a origem de problemas ainda mais graves. Foi por isso que sempre tive muitas dúvidas quanto à independência do Kosovo.
Por isso, no caso da Catalunha, os portugueses devem apenas e só desejar que o problema se resolva pela via do diálogo entre as autoridades de Madrid e de Barcelona. Caso contrário, teremos uma situação extremamente instável às nossas portas. O separatismo catalão irá desencadear um processo de dominó em Espanha, com consequências imprevisíveis para a Península Ibérica e para toda a Europa.
A forma como o problema for resolvido na Catalunha servirá de exemplo para problemas semelhantes no seio da União Europeia, por isso deverá solucionar-se com diálogo e sem precipitações.
As forças de extrema-esquerda portuguesas defendem os meios que mais confusão provocam, pois gostam de “pescar em águas turvas”. E o ódio de Francisco Lousã aos Bourbons até pode levar a acreditar que a Espanha vive uma situação semelhante à de França nas vésperas da revolução de 1789.