A realidade está a mostrar-nos que tínhamos de escolher entre recuperar rapidamente o poder de compra dos funcionários públicos, com rápidas reposições salariais e progressões na carreira, ou garantir a segurança e o funcionamento dos serviços públicos. Sempre houve alternativa, sempre houve possibilidades de escolher, na era da troika como agora. As escolhas são é entre alternativas desagradáveis que a classe política tenta iludir.
A disciplina financeira, a solvabilidade do Estado, o evitar a bancacarrota, tudo isto impõe um objectivo traduzido em metas do défice público. O caminho para lá chegar é uma escolha nossa, feita pelos governantes em nosso nome. A via que escolhemos é completamente indiferente para aqueles que avaliam se somos ou não capazes de pagar a dívida que contraímos. Tanto se lhes faz, aos credores, que seja por via de redução dos salários da função pública ou por degradação dos serviços públicos.
É aqui que reside a nossa escolha, entre alternativas más e não entre opções ideais, como ter funcionários públicos a ganhar muito bem e serviços públicos com recursos para funcionarem. Essa escolha não existe porque não temos dinheiro, temos o peso da dívida passada e não somos suficientemente ricos para ter isso tudo. É de escolhas difíceis que se fazem os dias de hoje.
O que estamos a escolher, neste momento, através do Governo que nos representa? Estamos a escolher dar mais poder de compra rapidamente à administração pública à custa do colapso do Estado. Não é o Governo, somos nós que estamos a ditar a dissolução do Estado.
E não colhe o argumentário que divide o país entre os que defendem o Estado e os que querem destruir o Estado. Nenhum partido português com representação parlamentar alguma vez defendeu o fim do Estado Social e ainda menos lhe passou pela cabeça um Estado que não cumpre as suas funções nucleares, de segurança e defesa dos cidadãos.
O que se debate e o que divide opiniões é como garantir de forma mais eficaz esse estado social e o desenvolvimento do país. Dizer que o PSD e o CDS praticaram políticas de Estado mínimo é não ter consciência de tudo o que se construiu desde o 25 de Abril de 1974, em que estes partidos, com o PS, construíram aquilo que temos e que agora pode estar ameaçado. Privatizar os CTT, a EDP, a PT e a maioria dos bancos não é defender o Estado mínimo. É defender um modelo, com o qual o PS também tem concordado, que passa por construir um Estado forte que se concentre nas suas funções de soberania e sociais, supervisionando e regulando de forma independente as actividades económicas.
Depois de termos assistido ao colapso do Estado como supervisionador e regulador, com o que se passou na banca, com a promiscuidade entre negócios públicos e privados, – para dizer o mínimo sobre aquilo que andamos a saber com a Operação Marquês –, e alguns contratos de concessão, com especial relevo para o sector eléctrico, estamos agora a testemunhar a falência do Estado nas suas funções nucleares. Dos favores e da corrupção passamos para a fase da destruição do Estado por falta de dinheiro. E tudo isto são escolhas nossas.
Mais uma vez se repete neste espaço que as mortes a que assistimos e no hospital S. Francisco Xavier são da nossa responsabilidade, somos nós os culpados. Morreram pelo menos 115 pessoas – 110 nos incêndios e cinco apanhados pelo surto de legionela, num hospital para onde foram para se salvarem da doença e que se transformou num antro de morte por falta de manutenção. O sistema público de saúde não se destrói porque há hospitais privados, destrói-se porque não se dá ao sector público meios para trabalharem. E meios não são apenas salários. Nem se fiscaliza devidamente.
Na escola pública caminha-se no mesmo sentido da destruição. A lagarta no prato servido na cantina da Escola básica André Soares e tudo o que aconteceu depois é um exemplo do que se está passar. Vão ser tomadas medidas, promete-se. Mas essa realidade era conhecida há muito, como testemunha aqui Luís Aguiar-Conraria.
Enquanto testemunhamos as mortes e as nossas crianças a serem vergonhosamente alimentadas na escola pública, o primeiro-ministro resolve que a principal prioridade para usar o Twitter é um jantar no Panteão Nacional, absurdo é certo, mas sem qualquer justificação para medidas urgentes. Medidas urgentes são necessárias para garantir a segurança dos portugueses em geral em caso de incêndio e agora dos efeitos do inverno nas zonas ardidas – veja-se o que está a ser feito da Galiza nesta reportagem da RTP. Urgente é fiscalizar devidamente os hospitais para se verificar se estão a ser cumpridas as normas de segurança. Urgente é tomar medidas para que aquelas refeições não sejam servidas nas escolas.
Urgente é todos nós exigirmos que o Estado funcione. O Estado não é um sítio para dar empregos e pagar salários. Porque há quem não tenha dinheiro para ir para os hospitais privados, no estrangeiro se for preciso, ou pagar uma escola privada aos seus filhos. Tanto que hoje se discursa sobre a igualdade e nunca como hoje se ameaçou a promoção da igualdade.