Na semana passada, Donald Trump anunciou que chegara a um acordo com a produtora de equipamentos de ar condicionado Carrier para evitar que 1100 postos de trabalho fugissem para o México. Esta é uma primeira medida com forte impacto mediático e com evidentes dividendos políticos, mas é uma medida protecionista que só agrada verdadeiramente a um tipo de eleitorado que nada tem a ver com a base tradicional do Partido Republicano.

Aliás (como descreve uma estação da cadeia NBC) a primeira reação do sindicato local foi agradecer ao Presidente-eleito e… a Bernie Sanders por manterem este assunto vivo na campanha eleitoral. A reação evoluiu rapidamente, aliás porque Sanders de imediato se demarcou da medida num artigo de opinião no Washington Post e porque Trump tratou logo de insultar o dirigente sindical, por este ter tentado explicar que os números não eram bem aqueles.

Do ponto de vista mediático, Trump continua a ganhar e isso assusta imenso os sindicatos e a esquerda, que se arrisca a ficar sem causas, se o Presidente abraçar com este vigor as causas que lhes são caras. É que deste caso fica o registo de um Presidente que: 1) salvou postos de trabalho; 2) impediu a deslocalização de uma fábrica para um sítio onde os salários são mais baixos, o que mantem o peso do fator trabalho na cadeia de valor; 3) cumpriu a promessa eleitoral de manter empregos nos EUA; 4) encheu o soundbyte de fazer a América “great”, reforçando o protecionismo e atacando a globalização. A esquerda, qualquer esquerda, apoiaria qualquer um destes 4 registos e percebeu bem o risco que corre de ficar sem eles, se Trump os agarrar.

A direita, a verdadeira direita, deveria até ficar agradada por ser Trump a saltar o muro para o outro lado, para o lado do protecionismo, do ataque ao liberalismo económico. Cabe por isso à direita e não a Bernie Sanders chamar à atenção para o que não ficou registado deste episódio da Carrier. Para enorme surpresa geral, quem primeiro na direita chamou à atenção para isto foi Sarah Palin, num artigo de opinião amplamente reproduzido. Aliás Palin está muito em sintonia com Sanders na crítica que fazem ao acordo da Carrier: trata-se de “crony capitalism” (capitalismo clientelar).

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Que registos negativos sobre este assunto ficam então por fazer na esfera mediática?

  1. O acordo da Carrier tem uma fatura para o Estado americano avultada e decorre de créditos fiscais prometidos à empresa para ficar nos EUA. 7 milhões à partida, mais um conjunto de poupança de impostos que Trump imporia às atividades exteriores da Carrier, se acabassem por vender produtos feitos externamente nos EUA.
  2. Acresce um conjunto de contratos (sobretudo na defesa) que estarão pendentes com a empresa-mãe da Carrier e que agora ficarão mais disponíveis. É a lógica da cana e da cenoura a aplicar-se na perfeição a este episódio. Ligar contratos com a defesa à proteção de emprego local é algo comum na política norte-americana (e, já agora, na política global). A consequência, no entanto, é o perigo de recorrer por sistema a acordos de fornecimento da defesa para resolver problemas de emprego, o que conduz a um sobredimensionamento das forças armadas. Além disso, há evidentes problemas de transparência, de tráfico de influências, de favores que ficam por pagar, dos quais era preferível manter a indústria de defesa afastada.
  3. Esta é uma decisão eminentemente protecionista e que não protege de todo os trabalhadores nem americanos, nem mexicanos, nem em lado nenhum. Limita-se a criar entraves à livre circulação de capital e barreiras que aumentam a ineficiência, tornam as empresas mais vulneráveis e os consumidores piores. Podem satisfazer pequenos interesses no curto prazo, mas têm consequências devastadoras no longo prazo para a economia. Toda a doutrina de Trump no sentido de reverter acordos de livre comércio e de aumentar barreiras à circulação de mercadorias e pessoas são retrocessos civilizacionais e colocam Trump confortavelmente em grata companhia das esquerda populista e da extrema direita europeias.
  4. Trata-se de uma medida que não promove o fator trabalho de forma alguma. A Carrier já até anunciou que vai aproveitar para automatizar parte dos postos de trabalho, substituindo-os por máquinas. Ou seja, como não deixam a Carrier ser competitiva no fator trabalho por via dos custos mais baixos no México, a empresa vai sê-lo, abdicando do mesmo. Como fará Trump para evitar que os empregos saiam do Indiana para as máquinas?
  5. Ao remunerar a Carrier com este benefício, Trump acaba por estimular ainda mais a deslocalização. Empresas que nunca antes teriam pensado no assunto, ficam agora a saber que, ameaçando sair, das duas uma: ou saem mesmo e poupam no fator trabalho indo para o México; ou ficam e contam com benefícios fiscais avultados, quanto mais não seja para ajudar nos eventos mediáticos do Presidente. De uma maneira ou de outra, quem fica a perder são os trabalhadores e contribuintes norte-americanos.

No geral, o acordo da Carrier pode ser uma enorme vitória para a eminente Administração Trump, mas é sobretudo clarificadora de que o que aí vem é uma administração que vai procurar agradar a todos, comprando alegria e satisfação interna com gasto público. Tratam-se de políticas e lógicas que nada têm a ver com o liberalismo e com a direita americanas.

Diretor Adjunto para as Relações Internacionais da Católica Lisbon School of Business and Economics