Se alguém quiser perceber o que não está bem em Portugal, olhe para a taxa de poupança. Desceu até ao patamar mais baixo de que há registo. Mas isto não tem apenas a ver com a economia. Diz também respeito à sociedade e à política.
Os portugueses estiveram outrora entre os europeus que mais poupavam. São hoje dos que menos acumulam património. Geralmente, atribui-se isso à preferência pelo consumo. Em Dezembro, porém, o INE sugeriu outra causa: a crescente sangria fiscal, através de impostos e contribuições. O Estado português sujeita as classes médias a uma espécie de inflação por via fiscal, apropriando-se daquela parte do rendimento que poderia ser usada para poupanças ou investimentos. Como os bancos mal retribuem os depósitos, mas emprestam generosamente às administrações públicas (este ano, estamos no valor mais alto desde 1979), é como se a sociedade estivesse a ser esvaziada a favor do Estado.
Mas que mal tem isso?, dirá a actual maioria social-comunista. Não é o Estado o porto de abrigo das classes médias? Numa economia de emprego pouco qualificado e de salários mínimos, em que as agências bancárias são substituídas por tuk-tuks, caberia ao Estado criar empregos bem remunerados e vitalício, além de assegurar a educação e a saúde. É assim? A remuneração do sector público é, em média, mais elevada do que a do privado. Mas essa diferença é maior em relação aos empregos menos qualificados do que aos qualificados. Por isso, no SNS, médicos e enfermeiros estão tentados pelo sector privado ou pela emigração. O Estado não faz milagres. Os recursos não são muitos, quando divididos por um funcionalismo numeroso. O governo favorece os funcionários, mas, individualmente, é um favor de dezenas de euros ou menos, quando não se trata simplesmente de dar com uma mão e tirar com a outra. O poder nem sequer pode assegurar ao funcionalismo que, desconjuntando-se outra vez as contas públicas, não venha a ser varrido por novos cortes – e não, não basta votar em António Costa em 2019 para evitar isso, tal como não bastou votar em Guterres em 1999 ou em Sócrates em 2009.
Nada ilustra tão bem esta nova fase da vida portuguesa como a discussão das reposições de rendimentos, em que mais ou menos três ou cinco euros por mês foram discutidos como a diferença entre a pobreza e a riqueza. Um dia alguém dirá que éramos assim modestos em 2018. Há uns anos atrás, o regime ainda se preocupava com as classes médias, com as suas aspirações e a sua acumulação privada de recursos, enquanto força autónoma perante o Estado. Os governos vulgarizaram a propriedade, incentivada pelo crédito bonificado, e renunciaram, através do Euro, à inflação e à desvalorização, os meios clássicos de o Estado espoliar os cidadãos. O destrambelhamento financeiro comprometeu tudo. Agora, com um fisco esfomeado e uma economia constrangida e incerta (basta pensar no alojamento local), o horizonte da classes média é o de uma dependência esquálida e precária do Estado, ao mesmo tempo que a degradação dos serviços públicos valoriza a educação e a saúde privadas, exigindo ainda mais esforço às famílias. E é melhor não pensar no que pode custar um aumento das taxas de juro.
Mas teremos uma sociedade mais igualitária, dirão alguns. Pois temos, tal como aquela que a inflação e as guerras mundiais geraram na Europa dos meados do século XX. Mas essa é uma igualdade por rebaixamento, não por elevação. Nos anos 30, expressou a ruína das classes médias, e aumentou o apelo das demagogias fascistas e comunistas. Só uma sociedade civil forte pode sustentar a independência e a liberdade sem as quais não há democracia. Em Portugal, é isso que o Estado, por aflição e facciosismo, vai destruindo.