Devo começar este artigo com a admissão de um erro. Há meses escrevi que Rebelo de Sousa não seria candidato à Presidência. Errei. Marcelo Rebelo de Sousa é candidato a Belém. Devo dizer que Rebelo de Sousa me surpreendeu. Espero que me volte a surpreender.
As eleições presidenciais recordam-me o maior arrependimento que até hoje tive como eleitor: os dois votos em Freitas do Amaral em 1986. Desde então, já me arrependi várias vezes desses votos. E sei que há muita gente na direita portuguesa que sente o que sinto. Nos próximos três meses, Rebelo de Sousa precisa de mostrar que não será, para a direita, um segundo Freitas do Amaral.
O passado de Rebelo de Sousa como político não me tranquiliza completamente. Como líder do PSD, alcançou duas vitórias importantes – nos dois referendos realizados pelo primeiro governo de Guterres – mostrou sentido de responsabilidade com a abertura para chegar a acordos orçamentais num momento crucial para Portugal – preparava-se a adesão ao Euro. Mas o fim foi um desastre. O modo como a coligação pré-eleitoral entre o PSD e o CDS terminou deixa más memórias e não ajuda a ganhar confiança. Sobretudo porque Rebelo de Sousa construiu uma imagem de alguém que olha para a política como um divertimento e um jogo de tácticas permanentes. Parece ser um político que não resiste a uma maldade se isso o divertir, mesmo que estejam coisas mais importantes em jogo. Poderei estar a exagerar um pouco. Mas se ele tem esta imagem, a culpa não é minha.
Estou disposto a aceitar que a experiência mudou Rebelo de Sousa. As pessoas mudam e merecem segundas oportunidades. Mas tenho outras preocupações. O facto de Rebelo de Sousa ter comentado a vida política nacional todas as semanas, e durante um período muito importante – os últimos quatro anos – e mesmo assim não saber o que pensa sobre questões essenciais, preocupa-me. Rebelo de Sousa foi ou não foi a favor da política de ajustamento fiscal do governo durante os últimos quatro anos? É natural que tenha criticas para fazer e que não tenha concordado com tudo. Mas, como eleitor de direita, preciso de saber, com o que concordou e com o que discordou. E a tentação de evitar a questão, remetendo-a para o passado, não chega. A situação económica do país continua frágil. Preciso de saber, no caso de Rebelo de Sousa ser eleito Presidente, se continuará a apoiar medidas de ajustamento e reformas – provavelmente impopulares – que o país ainda necessita. O que pensa Rebelo de Sousa dos compromissos com a zona Euro e do Tratado Fiscal? Defende “leituras inteligentes” do Tratado ou, pelo contrário, políticas adequadas ao respeito pelos compromissos assumidos?
Mais importante, para mim é fundamental saber o que pensa Rebelo de Sousa sobre a tentativa de um partido derrotado – o PS – tentar formar governo com dois partidos da esquerda radical, que sempre se opuseram aos pilares fundamentais da democracia pluralista e da economia de mercado em Portugal. Poderemos estar perante duas revoluções no sistema político português. Pela primeiro vez, um candidato derrotado tornar-se-ia Primeiro Ministro. E, igualmente pela primeira vez, dois partidos anti-Euro, o PCP e o Bloco de Esquerda, fariam parte de uma solução de governo. Tudo isto é demasiado importante, e quero saber o que pensa um candidato a Belém sobre isto. Pelos sinais dos tempos, estas questões continuarão a dominar a nossa vida política se Rebelo de Sousa chegar à Presidência.
Há um último ponto que me parece importante: Rebelo de Sousa é um candidato que vem do centro-direita. Em democracia, um político nada alcança sem pertencer a um partido. Não me venham com tretas de candidaturas pessoais e de decisões individuais. Não estamos em altura de tretas dessas. Rebelo de Sousa vem de um partido cuja maioria dos eleitores são de centro-direita (também não me venham com a treta da “área não-socialista”) e é com esse eleitores que pode ganhar. Entendo perfeitamente que faça uma campanha para alargar a sua base inicial de apoio. Esse é, de resto, o seu dever. E neste momento goza de condições muito boas para, a partir do centro-direita, ir buscar votos ao centro-esquerda. Mas isto é muito diferente de se apresentar como “super-partidário”. Aliás, um dos mitos da democracia portuguesa diz-nos que é natural partir da esquerda para ir à direita buscar votos; mas o contrário é uma aberração (se alguma vez o foi, António Costa está a fazer tudo para deixar de ser).
A clarificação da posição de Rebelo de Sousa em relação a estas questões é obrigatória. Seria inaceitável, para os eleitores do centro-direita, que estão revoltados com o que se tem passado desde o dia 5 de Outubro, ver um Presidente em quem votaram juntar-se a uma vasta coligação anti-Passos Coelho e anti-Portas, indo desde a extrema-esquerda até Belém. Tem que ficar muito claro que Rebelo de Sousa não tem preferências em relação à liderança do PSD (e do CDS), nem acredita que Belém poderia substituir os partidos de centro-direita num eventual bloco central.
O meu valor democrático reduz-se a um único voto, o que é praticamente insignificante. Mas, por outro lado, é o meu bem mais valioso como cidadão de uma democracia. Sou um daqueles a quem Rebelo de Sousa tem que conquistar o voto. E estou convencido que há muitos outros na direita a pensar assim. A conquista de votos à esquerda é importante, mas a mobilização do seu eleitorado natural constitui a primeira lição de uma estratégia eleitoral de sucesso (e os bons professores nunca esquecem as lições). Há uma última lição das eleições de 4 de Outubro. Foi a abstenção que impediu a maioria absoluta da coligação.