As ilusões criadas em Portugal no ano de 2016 estão a desaparecer, porque a realidade se impõe e porque o mundo se tornou ainda mais perigoso. Podemos escolher aquilo em que acreditar durante algum tempo, mas nunca todo o tempo. Há um momento em que a realidade se impõe. Num país como Portugal, essa realidade, em que muitos não quiseram nem querem acreditar, começa já a impor-se sob a forma de uma taxa de juro mais alta. Para desgraça nossa, o calendário eleitoral europeu e uma Comissão Europeia que desistiu do seu papel de prevenir crises vão deixar-nos a caminhar de novo para o precipício.

O Governo de António Costa conseguiu obter o número mágico de um défice público abaixo dos 3% do PIB em 2016. Com esse objectivo atingido, está a condicionar as análises dos economistas e dos políticos, assim como da Comissão Europeia. Neste grupo inclui-se o Presidente da República. Ninguém parece querer saber como foi isso possível. Como não há milagres aquilo a que assistimos foi a vários planos “B”, entre os quais se contam o “perdão fiscal“. Só em Maio, quando o Eurostat validar as contas públicas, é que saberemos efectivamente qual foi o défice que hoje é apesentado como o “mais baixo da democracia portuguesa”.

Paralelamente ao objectivo do défice público surge agora mais um número, o da dívida pública que “baixou”. Baixou mesmo? Os últimos números, divulgados pelo Eurostat, revelam uma subida na dívida pública total, incluindo o dinheiro que o Estado tem em depósitos. O que diminuiu foi a dívida líquida de depósitos e essa é obviamente menos importante. Porquê? Primeiro porque os juros que pagamos são sobre a dívida total. Segundo, porque numa era de juros negativos é caro ter depósitos. Como se sabe há bancos que já cobram (em vez de remunerarem) os depósitos.

Além disso, o montante em depósitos que o Estado tinha no terceiro trimestre de 2016 – os dados mais actuais do Eurostat – é o mais elevado desde Fevereiro de 2015. O que revela uma de duas coisas: ou o Governo previa capitalizar a CGD ainda em 2016 ou estava já na altura preocupado com o acesso aos mercados. Neste último caso temos razões para ficar satisfeitos, já que pelo menos há sinais de que o Governo sabe que a sua política orçamental expansionista é arriscada e que pode atirar-nos de novo para um resgate, se não nos conseguirmos financiar a juros compatíveis com o nosso crescimento.

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Mas se estas realidades e números são incapazes de convencer, os que querem acreditar que a política económica de António Costa é um valor seguro, então que se olhe para aqueles que estão dispostos a emprestar dinheiro ao Estado português.

Os sinais de desconfiança estão a ser demonstrados há mais de um ano através das taxas de juro implícitas nas Obrigações do Tesouro a 10 anos. O ano de 2016 terminou com uma taxa de rendibilidade média mensal de 3,74%, o valor mais alto desde Abril de 2014.

Poderia contra-argumentar-se que isso reflecte a subida dos juros também na Europa, nomeadamente no país de referência que é a Alemanha. Mas não é assim. Quando se olha para a taxa com que a Alemanha terminou o ano, e se compara com a nossa, verifica-se que a diferença entre uma e outra (3,45 pontos percentuais) está no valor mais alto desde Janeiro de 2014, altura em que a troika ainda cá estava e ainda não se sabia se Portugal ia ter a saída dita “limpa”. Estamos perante a mais simples das simples medidas de risco de financiar Portugal: a subida do ‘spread’ entre os juros portugueses e alemães. E isto acontece apesar de o BCE estar a comprar títulos de dívida pública no mercado secundário, onde se formam estas taxas de juro.

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A prova final da falta de disponibilidade para financiar Portugal aconteceu dia 11 de Janeiro deste ano, quando o Tesouro conseguiu o financiamento de três mil milhões de euros à taxa de 4,2%, o juro mais elevado num empréstimo a dez anos desde Fevereiro de 2014, mais uma vez quando a troika ainda cá estava. Espanha pagou cerca de 1,5% na sua mais recente emissão de dívida a dez anos, logo nos primeiros dias de Janeiro. Claro que com esta subida dos juros a taxa implícita paga pela dívida pública, que tinha estado a descer, começou a subir como Edgar Caetano explica neste “fact check”.

Todas estas taxas de juro em alta são alertas, cada vez mais vermelhos, a avisarem-nos que há cada vez menos investidores disponíveis para financiar o Estado português. Mas como é isso possível se cumprimos a regra do défice público – “o mais baixo em democracia” – e a dívida pública excluindo os depósitos está a descer? Basicamente porque quem tem de colocar aqui o seu dinheiro não acredita que o que se passou em 2016 seja duradouro.

Os erros de análise que foram cometidos, quando se disse que o défice não iria ser cumprido em 2016, são de calendário e não de conteúdo. Ou seja, a política económica que está a ser seguida é insustentável, coloca Portugal no caminho do precipício, o que não se sabe é quando estaremos à beira de cair.

Os mais cépticos, dispostos a acreditar que há salvadores miraculosos da crise e que todos estes factos associados às taxas de juro não passam de atitudes de má vontade em relação ao novo Governo, podem ainda perguntar-se porque nada faz Bruxelas. Essa é a grande questão. Aparentemente, ninguém na Europa, dos países às instituições europeias, está disposto a prevenir o desastre que já se vê nas taxas de juro da dívida pública.

A Itália e a França têm um problema parecido com o nosso com a vantagem de serem demasiado grandes para serem resgatados; a Comissão Europeia quer agradar a todos e enleia-se nas suas burocracias: o ano recheado de eleições recomenda que todos assobiem para o lado e as instituições que poderiam fazer alguma coisa estão entre a espada e a parede – se dizem alguma coisa de mais sério em público correm o risco de acelerar o colapso financeiro do país, caindo sobre elas essa responsabilidade e, por isso, optam por moderar os alertas. Restam os alemães que, pela voz do ministro das Finanças, ensaiam de vez em quando um aviso, mas que são de imediato vaiados, sem se tentar perceber qual a razão que têm.

Todos os incentivos estão alinhados no sentido de nos deixarem andar, na esperança que nos aguentemos até depois das eleições alemãs – como o próprio primeiro-ministro António Costa disse, com outro objectivo, o da reestruturação da dívida. O problema é que agora temos Donald Trump na presidência dos Estados Unidos que, com a sua política, pode acelerar a subida das taxas de juro na Zona Euro e a fuga para a segurança financeira.

A única esperança que nos resta é que a mudança aconteça em Portugal. Resta-nos esperar que quer em São Bento como em Belém, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa comecem a perceber que o país está a acelerar para o precipício financeiro, numa conjuntura política internacional de enorme incerteza.

É preciso ter consciência que Portugal está na linha da frente como alvo da mais pequena que seja tempestade financeira. Se o objectivo é não assustar a população em geral, para evitar que a economia caia por falta de confiança, ao menos que se tomem medidas que transmitam confiança aos investidores. Um exemplo? Vender o Novo Banco o mais depressa possível e capitalizar com urgência a CGD de acordo com o plano assinado em Bruxelas.