O regresso da guerra fria, sem se saber se a Europa entrará ou não no conflito, um mundo que volta a estar dividido em blocos, fragilidade energética e alimentar e a inflação a subir. Este é o quadro que o novo Governo português enfrenta, completamente diferente do que esperava quando o PS ganhou as eleições. Aquilo que parecia ser um passeio, com milhares de milhões de euros para investir, num almoço grátis de subsídios europeus, transformou-se num pesadelo no dia 24 de Fevereiro de 2022, um desafio que não vai ser fácil de gerir. Com a agravante de a pandemia ter criado a expectativa, se não mesmo o hábito, de que basta bater à porta do Estado que os cofres do Tesouro se abrem com apoios. A única vantagem que António Costa tem é gerir agora um governo de maioria absoluta.

O novo enquadramento geopolítico vai exigir mais dinheiro para a Defesa. Os europeus habituaram-se a deixar a sua defesa para os norte-americanos ficando com o Estado Social. Vamos enfrentar inevitavelmente escolhas muito difíceis, mesmo em Portugal. Os apoios sociais vão ter forçosamente de ser menos generosos, num Estado em que o Governo não mexeu para tornar mais eficiente durante os últimos seis anos de crescimento, mesmo que pouco. A esmagadora maioria dos gastos públicos está concentrada em despesa social e com o pessoal. Como não vai ser possível reduzir o número de funcionários públicos – não haverá coragem para diminuir o número de pessoas não qualificadas para aumentar onde é necessário, a começar agora na Defesa, na Saúde e na Justiça, para identificar os mínimos –, os cortes ou, pelo menos, os aumentos mais comedidos vão acontecer no pilar social do Estado.

O novo ministro das Finanças Fernando Medina vai descobrir – se não o sabe já – que o milagre da redução do défice foi conseguido com a combinação de poupança nos juros e cativações, em tudo o que não se reparava no imediato, ou onde não existiam grupos de pressão que falassem bem alto, apoiados ou não pelos partidos que suportavam os governos anteriores. O encargo com os juros é inevitável que suba, se não este ano, em 2023. E com toda a certeza não se vai gerar aí poupança. E as cativações, enquanto técnica de reduzir a despesa, atingiram o seu limite como se começou a perceber com as queixas mais audíveis dos ministros, entre os quais se destacou Pedro Nuno Santos com o caso da CP.

João Leão sentiu já os efeitos desse esgotamento do modelo das cativações. A táctica que foi vista como muito inteligente no mandato de Mário Centeno deixou de o ser com João Leão, que acabou por perder o seu lugar de ministro das Finanças com as queixas dos seus colegas de Governo.

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Fernando Medina tem agora a difícil tarefa de manter as contas públicas equilibradas num Estado e em empresas públicas à míngua de investimentos de manutenção nos últimos quase sete anos, num quadro em que a Defesa vai precisar de ter o seu Orçamento reforçado, numa conjuntura política em que o PCP vai estar mais reivindicativo e nas ruas, a exigir aumentos salariais que compensem a perda de poder de compra provocada pela inflação – e por isso com mais capacidade de mobilização – e com um país em que as empresas trazem da pandemia hábitos de apoios generosos.

Em termos orçamentais e no curto prazo, o Orçamento de Fernando Medina ganha com a subida dos preços por via do aumento das receitas do IVA. Como ganha com os rácios a descerem por via de um crescimento do PIB nominal alimentado pela inflação. Mas esse “ganho trazido com o vento”, que contribui para reduzir o défice, pode revelar-se insuficiente e é seguramente ilusório e temporário.

Também na frente da Economia, António Costa Silva corre o risco de voltar a ser o ministro da gestão das reivindicações dos empresários, sem dinheiro para os apoiar, como quase sempre aconteceu no passado. A excepção foi a pandemia. Com o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência a ser gerido por Mariana Vieira da Silva, o ministro da Economia será um gestor de descontentamentos e pedidos vários.

Uma gestão racional da política económica terá de ser muito prudente e concentrada nos sectores e nas famílias mais afectadas pelo choque energético e alimentar. Terá de existir coragem para dizer “não”, caso se queira de facto moderar os efeitos económicos negativos gerados por esta crise que vem com a guerra. Não se pode espalhar o dinheiro por todos. Não havendo dinheiro suficiente, acabar-se-á a dar cêntimos a cada um, agravando as desigualdades e não garantindo a sobrevivência de empresas que apenas têm dificuldades por causa do choque que se espera temporário.

A gestão do dossier da energia, onde vai estar Duarte Cordeiro como ministro e João Galamba como super-secretário de Estado, exige um especial cuidado para que, na tentativa de apoiar as empresas não se acabe a gerar um défice energético, como aconteceu com António Guterres com os combustíveis. E é preciso não cair na tentação de usar recursos, que deviam servir para melhorar a eficiência energética, para pagar apoios que suportem a subida dos combustíveis. É preciso, sempre que possível, aproveitar também esta conjuntura para que todos percebam como é importante investir na eficiência energética.

Não são tempos fáceis os que vamos todos enfrentar. Também o governo de António Costa tem agora, depois da pandemia, o desafio de gerir o país em tempos difíceis. Olhando para trás vemos que podíamos ter aproveitado melhor o tempo que correu entre 2015 e 2019. O desafio continuaria a ser significativo, mas pelo menos tínhamos mais margem nas contas públicas para agora enfrentar mais esta crise, que ainda não sabemos até onde nos vai levar.