No fundo, António Costa continua a comportar-se como se fosse o Presidente da Câmara de Lisboa. Sente-se bem, mesmo muito bem, a gerir as relações com os seus parceiros de coligação, o PCP e o BE, técnica que desenvolveu à frente do Munícipio. Costa conhece, como poucos em Portugal, os corredores do poder político em Lisboa, dominando os segredos do seu funcionamento. Está completamente à vontade nos debates parlamentares, nas reuniões à porta fechada em São Bento e em Belém. Trabalhou toda a vida para chegar ao topo do poder político. Mas será que se preparou para ser PM de Portugal? São coisas diferentes.

Durante a campanha para as eleições legislativas em 2015, Costa foi incapaz de falar para os portugueses. Não apresentou uma visão para o país, ou uma estratégia plausível para o futuro. Limitou-se a atacar o governo anterior e a rejeitar a austeridade. Como mostram os 32% de votos do PS, os portugueses acharam tudo aquilo insuficiente. Não está em causa a legitimidade do governo socialista e da maioria parlamentar, mas o acordo para a geringonça não esconde a incapacidade de Costa para convencer a maioria dos portugueses que merecia ser PM. Bem sei que quase ninguém quer discutir este tema e que é inconveniente para a maioria de esquerda, mas, lamento repetir, as limitações políticas de António Costa não desapareceram com a maioria parlamentar das esquerdas.

Estas limitações manifestaram-se de novo durante o longo e terrível Verão de Junho a Outubro de 2017. As lacunas políticas de Costa, que se tinham visto na campanha de 2015, reapareceram dois anos depois. Costa compreende a Lisboa política, mas não entende o resto do país. Nota-se aliás o seu desconforto cada vez que sai do seu meio natural, o eixo Rato-São Bento, e se desloca ao chamado país real. Costa foi incapaz de falar directamente aos portugueses da região centro e do interior, aqueles que se sentem abandonados pelo poder de Lisboa, sentimento reforçado de um modo brutal pelos incêndios. Mas Costa também não consegue falar aos portugueses empreendedores, quer os pequenos e médios empresários do norte do país, como os jovens urbanos dos novos negócios tecnológicos. Não entende o mundo daqueles que lutam para viver e prosperar sem ajudas do Estado. Costa sabe falar a grupos específicos da sociedade portuguesa, nomeadamente às elites políticas e aos funcionários públicos, mas não fala aos cidadãos em geral.

Ou seja, Costa não foi capaz de passar de chefe político na “Lisboa do Estado central” para líder nacional. Pedrógão e o 15 de Outubro assim o mostraram. Veja-se, por exemplo, a preocupação (excessiva) de Costa com a imagem e com os focus groups. Como me disse um amigo de esquerda, Costa não tem assessores politicos, tem apenas assessores de imagem. E qual é o mundo dos assessores e dos especialistas de imagem? As televisões, os jornais e, mais uma vez, os corredores do poder em Lisboa. Esse é o “país” deles. O resto só interessa de quatro em quatro anos. Na política do século XXI, a imagem é importante, mas é insuficiente para construir um líder politico nacional.

Com a saída de Passos Coelho da liderança do PSD, Costa passa a estar ainda mais no centro da vida política nacional. As atenções estão agora centradas no actual chefe de governo, e não no antigo PM. Desde 2015, Costa tem mostrado que se sente completamente à vontade no seu meio natural, a Lisboa política, mas revela as suas fraquezas e limitações quando as coisas correm mal e quando enfrenta dificuldades inesperadas. Se tudo correr bem, Costa até consegue brilhar. Mas se as coisas correm mal, Costa torna-se a pessoa errada no lugar errado. Quando é necessário liderar o país perante as dificuldades, não chega ser apenas um chefe politico de Lisboa. É necessário ser um líder nacional, o que Costa não é. Os portugueses já perceberam que não têm um PM para os momentos difíceis. A vitória de Costa nas próximas eleições já não depende apenas dele. Depende sobretudo da facilidade ou da dificuldade dos acontecimentos durante os próximos dois anos. E da capacidade da oposição explicar aos portugueses que o país tem um PM que se preocupa com os corredores políticos de Lisboa, mas ignora o resto do país.

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