Ainda não arrefeceu o calor da discussão provocada pela exibição do filme “Leviatã” na Rússia, do conhecido realizador Andrei Zviaguintsev, e a liberdade de criação no país volta a ser posta em causa pela Igreja Ortodoxa, desta vez em relação a uma encenação da ópera “Tannhäuser“ de Richard Wagner.

A Igreja Ortodoxa Russa não gostou da encenação dessa obra no Teatro de Ópera e Bailado pelo jovem realizador Timofei Kuliabin, pois considerou um “sacrilégio” o facto de Jesus Cristo ser transformado em personagem principal de um filme erótico realizado pelo cavaleiro Tannhäuser.

Por isso, os clérigos ortodoxos locais exigiram não só o fim da exibição da peça, como a demissão do director do Teatro. Além disso, apresentaram uma queixa crime contra os dois por “insulto ao sentimento dos crentes”. A Procuradoria de Novossirbirsk já fez saber que o julgamento irá mesmo acontecer, pois detectou indícios de “violações administrativas da lei”.

A ressonância chegou a Moscovo e, como vem sendo costume, o Ministério da Cultura da Rússia colocou-se do lado da Igreja Ortodoxa, que, nos últimos anos, pretende a uma intervenção mais activa no controlo dos usos e costumes dos russos em troca da fidelidade ao Kremlin. A exibição do espectáculo foi suspensa e o director do Teatro e da Ópera foi despedido.

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Alguns intelectuais russos, entre os quais Andrei Zviaguintsev, protestaram contra essa decisão, considerando-a mais um acto de censura. Ao analisar a discussão que teve lugar no Ministério da Cultura em torno da citada ópera, Zviaguintsev frisou que ela mais se parecia com as “purgas” e os “linchamentos” soviéticos e visa limitar a liberdade de expressão a pretexto dos “ataques contra a opinião pública”.

Recordámos que o último filme de Zviaguintsev foi alvo de duras críticas por parte das autoridades laicas e religiosas russas por alegadamente denegrir a realidade no país e na Igreja Ortodoxa.

O Kremlin, através do seu porta-voz Dmitri Peskov, faz saber que “a censura é inaceitável”, mas sublinha que é “claro que o Estado tem o direito de exigir dos colectivos culturais encenações correctas, que, pelo mínimo, não provoquem semelhante reacção aguda da opinião pública”.

A polémica ópera não tinha falta de espectadores, mas o Estado e a Igreja russos decidiram sobre o que a população pode ver ou não ver. Se isto não é censura, então o que será?