Para António Costa, parece que é. Foi pelo menos o que disse aos migrantes do Médio Oriente retidos na Grécia: “Portugal é melhor do que a Alemanha”. E a prova dessa superioridade estaria no facto de que os refugiados “são bem-vindos em Portugal” — ao contrário, depreende-se, do que ocorre na Alemanha. Numa Europa que fecha fronteiras, ergue muros, e deporta migrantes, eis um pequeno país todo abertura, todo boas vindas, todo hospitalidade, sem limites, sem reservas, sem preconceitos.

É preciso dizer que isto nem sequer é bonito.

Estima-se que tenham entrado na Europa, durante o ano passado, cerca de um milhão de pessoas oriundas do Médio Oriente e do Norte de África. Em Portugal, quantas foram? Segundo constou na imprensa, foram 45 em Novembro, 24 em Dezembro, 2 em Janeiro… Menos de uma centena. Ora, só na primeira semana de Setembro, a Alemanha registou 37 mil pedidos de asilo. Desde o Outono do ano passado, que algumas “operações de charme” da diplomacia portuguesa entre migrantes na Grécia eliminaram todas as dúvidas: Portugal é o país para onde ninguém quer vir, tal como a Grécia é o país onde ninguém quer ficar. Não há guerra na Grécia. Mas os migrantes tentam escapar da Grécia com o mesmo desespero com que fugiram da Síria. É compreensível: o seu objectivo, ao arriscarem a vida no Mediterrâneo, não foi trocar as tendas dos campos turcos por tendas nos campos gregos, mas chegar às casas e aos apoios da Europa rica. Portugal “não atrai refugiados“, a não ser os refugiados fiscais franceses, à procura de um Panamá europeu.

É muito fácil para António Costa fazer de Angela Merkel dos pequeninos, sabendo que não corre o risco de ter de pagar pela sua filantropia. Teria ele passado pelos campos de refugiados se Portugal tivesse enfrentado, em poucos meses, um afluxo equivalente ao da Alemanha — digamos, 125 000 imigrantes ilegais a precisar de alojamento, de comida, de subsídios, de escolas, e de hospitais? E se esse afluxo, acrescentado a uma grande comunidade muçulmana com dificuldades notórias de integração, estivesse agora a ser explorado por um qualquer partido xenófobo, que já formasse o segundo ou terceiro grupo parlamentar na Assembleia da República? Ainda estaria a dar lições de moral ao resto da Europa?

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Felizmente, ninguém perguntou ao primeiro-ministro quantos refugiados acolheu Portugal durante esta crise. Felizmente, também ninguém lhe perguntou como estavam a ser recebidos, porque alguns dos poucos que por cá apareceram já devem ter percebido que não estão no melhor sítio, como o casal de eritreus abandonado em Penafiel. O provedor da Misericórdia local, que tem tentado compensar o desinteresse das entidades estatais, resumiu assim a situação do acolhimento: “Primeiro, dizem: venham!, venham! Depois, chegam cá e — desenrasquem-se!”

Fica muito bem às autoridades portuguesas mostrar disponibilidade para ajudar. Mas não lhes fica bem fazer de conta que são “melhores” do que os Estados da Europa que têm absorvido o êxodo mediterrânico. No grande drama das migrações, Portugal está protegido pela sua excentricidade geográfica e pela sua estagnação económica e pobreza relativa. Não é um ponto de passagem, como a Grécia, nem um ponto de chegada, como a Alemanha. A imigração em Portugal diminuiu nos últimos anos, e é composta de uma população predisposta à integração, como é o caso dos brasileiros (um em cada quatro imigrantes). O número de pedidos de asilo foi sempre muito baixo. Portugal não é, portanto, exemplo para os países que enfrentam um influxo populacional descontrolado e crescente. Por isso, convinha talvez algum comedimento nestes ensaios de autopromoção moral.

Rui Ramos assina esta coluna às terças e às sextas-feiras.