Não estamos em 2011, mas há dias em que parece. É que a campanha eleitoral prossegue focada nas teses e nos protagonistas de há quatro anos – nos debates televisivos, do que se fala é dos governos Sócrates, de quem chamou a troika, dos autores do memorando, do programa de ajustamento e dos perigos do endividamento público. Será estratégia? Em parte, sim. Mas, em boa verdade, debater o passado tem sido muito mais frutífero do que discutir o futuro da segurança social ou a venda do Novo Banco. É que, dessa discussão, saiu algo realmente indispensável de ser desvendado: à esquerda, a classe política parece ainda não ter percebido o que aconteceu ao país desde 2011. Nada pode ser mais elucidativo acerca das suas propostas eleitorais, pois nada há de mais perigoso para o futuro do que não aceitar os erros do passado.

Discutir “quem chamou a troika” ou a “autoria do memorando de entendimento”, atribuindo responsabilidades ao PSD como pretende António Costa, seria cómico se não fosse sintoma de algo mais sério e grave – o ilibar da governação do PS, que duplicou a dívida pública do país e o deixou entre a espada e a parede. Achar que os cortes nos salários da função pública foram uma opção ideológica e não uma necessidade, como argumenta Catarina Martins, é a negação do contexto de soberania limitada em que Portugal viveu. Identificar na UE o inimigo, como sustenta Jerónimo de Sousa, é esquecer que foi a UE (e Merkel) quem deu a mão a Portugal e condições para o governo relançar a economia. Ora, todas estas tomadas de posição de PS, BE e PCP têm entusiasmado nos debates, mas são sobretudo a face mais visível de um problema aparentemente inultrapassável: toda a esquerda portuguesa tem feito campanha a partir de um diagnóstico duvidoso acerca das causas do pedido de assistência financeira e, consequentemente, sobrevive pela negação dos seus erros políticos. Dito de forma simples, em quatro anos, os partidos à esquerda não aprenderam nada.

A relevância desta observação não é só histórica, diz muito sobre o presente, a posição e as propostas destes partidos. É porque não aprendeu nada nestes últimos quatro anos que o PS se propõe a desfazer o que foi feito, como a reforma do IRS ou a reforma do IRC (aquela que o próprio PS negociou e consensualizou com o governo). É porque não aprendeu nada nesse período que o PS se dispõe a uma aventura na segurança social, diminuindo as contribuições dos trabalhadores em quatro pontos percentuais até 2018. É porque o PS não aprendeu nada que se apresenta com estimativas de criação de emprego na ordem dos 207 mil, reiterando erros passados. Do mesmo modo que é porque o BE não aprendeu nada nestes últimos quatro anos que continua a sonhar em ser mais PCP do que o PCP, em vez de se assumir como um partido próximo do PS e seu potencial parceiro de coligação. Ou, mais grave do que tudo isto, é porque a esquerda não aprendeu nada nos últimos quatro anos que acredita ser possível retomar a normalidade de 2011 onde ela foi interrompida.

Está, obviamente, enganada. E dizê-lo é fundamental. Muito se tem dito e escrito acerca dos debates – as melhores opções retóricas, as escolhas das gravatas, os nervosismos e as confianças, os vencedores e os derrotados, os esclarecimentos em falta, as consequências eleitorais. No entanto, poucas vezes se sublinha o principal. É que, para além dos tons de voz, das posturas, das imagens dos candidatos, dos seus soundbytes, dos #catarinabem e #passosmal, os debates conseguiram esclarecer no que importa: não há nada mais inútil do que discutir soluções com quem não entende os problemas.

Ora, se se confirmar a inexistência de uma maioria absoluta daqui a três semanas, reconhecer isto é assumir que estamos perante um bloqueio que não será passageiro. Dura há quatro anos e durará por certo mais alguns, compondo a nossa paisagem política nos meses decisivos que se avizinham. É que, como bem salientou Nuno Garoupa, no dia 5 de Outubro poderemos estar perante a mais grave crise institucional dos últimos 40 anos, sem capacidade para entendimentos estáveis na nova composição do parlamento. Talvez aí, finalmente, se encontre a resposta definitiva à pergunta sobre a qual todos opinam. Quem perdeu os debates? Perdemos todos nós.

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