O Kremlin depositava grandes esperanças num encontro bilateral do Presidente Putin com o seu homólogo norte-americano no Vietname, mas Donald Trump reduziu todos os contactos a uns apertos de mão e uma breve troca de palavras. O ego do “czar” não costuma suportar semelhantes humilhações.
Iúri Uchakov, assessor de Putin para assuntos internacionais, deu o encontro bilateral como certo, apontando até os possíveis temas da conversa: Coreia do Norte, Síria, Ucrânia e relações bilaterais, a fim de o apresentar como uma realidade, o que irritou fortemente os diplomatas norte-americanos.
Após a Cimeira dos Países da Ásia e do Pacífico, Vladimir Putin foi obrigado a justificar publicamente a razão da não realização do tão esperado encontro, mas deve ter convencido muito poucos. Segundo o dirigente russo, isso ter-se-ia devido ao desencontro dos gráficos de trabalho dos dois líderes e ao facto de os norte-americanos quererem organizá-lo duas vezes consecutivas, o que vai contra as regras protocolares. Num tom humorístico para salvar a face até prometeu “castigar” os funcionários russos culpados de não terem chegado a um acordo com os norte-americanos sobre o protocolo.
Mas as causas da não realização do encontro são bem mais profundas e sérias. O escândalo sobre a presumível ingerência russa nas eleições presidenciais aumenta como uma bola de neve nos Estados Unidos, o que trava a actividade de Trump na normalização das relações com a Rússia, que há muito não tinham atingido um nível tão baixo. As declarações do actual dono da Casa Branca de que Putin lhe garantira que não houve qualquer tipo de ingerência russa de pouco ou nada valem, pois, o dirigente russo nunca irá reconhecer publicamente que os seus serviços secretos realizam tarefas tão delicadas. As palavras de Trump apenas fazem aumentar as dúvidas.
Além disso, tendo em conta o carácter das relações entre os Estados Unidos e a China e a recepção de que Trump foi alvo em Pequim, fica claro que Washington reconheceu ao “Império do Meio” o papel que antes pertencia a Moscovo nas relações internacionais. São os dirigentes chineses que podem ajudar a resolver a crise em torno da Coreia do Norte, podendo Putin apenas “dar uma ajudinha”.
Não obstante todos os desmentidos do Kremlin e dos seus diplomatas, a Rússia “passou a jogar numa divisão mais baixa” no campo internacional. Ela ainda é precisa, mas apenas para ajudar a resolver problemas regionais, como é o caso da Síria e da Ucrânia.
E, mesmo nestes casos, teremos de esperar para ver qual será o resultado da política externa russa. No que respeita à situação na Síria, foi publicado um comunicado russo-americano após um dos apertos de mão no Vietname, mas muito pouco concreto. O mais difícil ainda está para vir. Como irá ser reconstruída a Síria depois da derrota do Estado Islâmico? Qual será a presença militar estrangeira nesse país? Não obstante todas as manifestações de amizade entre Putin e o seu homólogo turco Recep Erdogan, este, na véspera da sua visita à Rússia, que americanos e russos deverão retirar as suas tropas do território sírio após a derrota do DAESH. Ora, como é sabido, Moscovo tem duas bases militares na Síria e não tenciona perder o terreno que conquistou à custa de muitos milhões de rublos em armas e militares.
Aliás, a diplomacia russa envolveu-se, no Médio Oriente, em jogos tão complicados que será preciso grande mestria para ganhar posições na disputa com os Estados Unidos. Não é fácil, por exemplo, conciliar boas relações com a Arábia Saudita e o Irão.
Quanto à Ucrânia, a realização do Acordo de Minsk, no quadro do qual a Alemanha, França e Rússia deveriam tentar pôr fim ao conflito nas regiões separatistas ucranianas, está paralisada. Isso levou Kiev a envolver os Estados Unidos na solução do problema e a um aumento da presença militar norte-americana na região. Actualmente realizam-se conversações entre Washington e Moscovo para solucionar o problema, mas sem fim e resultado à vista.
Mas não é só a Rússia que está a perder rapidamente poder de influência no mundo, em grande parte devido à estagnação e fraqueza económica, bem como ao atraso na modernização do país. O mesmo se passa com a União Europeia com a deslocação dos centros de decisão para o Pacífico e o Indico. Por conseguinte, a situação exige uma séria reviravolta das relações entre Moscovo e Bruxelas com vista ao reforço das posições do Continente Europeu no mundo.
Lamentável é o facto de nem os dirigentes russos, nem os europeus estarem virados para aí. Para o Kremlin, o objectivo continua a ser o enfraquecimento da União Europeia, apostando no apoio a grupos separatistas e extremistas. Quanto a Bruxelas, não consegue falar a uma só voz no campo internacional, nem elaborar uma política coerente face à Rússia.