O governo anunciou novas várias medidas para o SNS. Todas à volta de importunarem a saúde de mulheres.
A primeira foi o rastreio do cancro da mama, que se iniciará agora aos 50, em vez dos 45 atuais. É verdade que não há consenso sobre a idade de inícios das mamografias preventivas. A Organização Mundial de Saúde recomenda estes testes de dois em dois anos entre os 50 e os 69 anos, mas apenas os recomenda entre os 40 e os 50 em países desenvolvidos e que consigam ter uma política consistente nesta matéria.
O americano Center for Disease Control and Prevention elenca as recomendações de várias organizações que centram, em maioria, a prevenção no grupo de mulheres a partir dos cinquenta anos, com periodicidades diferentes. Mas a American Cancer Society, por exemplo, recomenda mamografias anuais entre os quarenta e cinco e os cinquenta e quatro anos, passando a cada dois anos depois disso.
Sabendo-se que é crucial para a sobrevivência diagnosticar cedo o cancro, fica impossível acreditar que os motivos são médicos – em vez de para emagrecer o persistente buraco de mil milhões de euros do SNS a cada ano. Se juntarmos as trinta e cinco horas semanais que a geringonça deu aos funcionários públicos – que ou retira tempo para prestar serviços ou faz aumentar os custos com pessoal –, bem como o previsto descongelamento das carreiras em 2018, alegremente concluímos que estas decisões existem para permitir que se gaste mais em salários no SNS. Menor controlo do cancro da mama pela melhor das causas: o PS comprar uns tantos votos aos funcionários públicos.
A segunda medida visa reduzir o número de cesarianas em Portugal para menos de cerca de 30% nos hospitais públicos, e levanta questões diferentes da primeira.
É sabido que a forma mais saudável de parto, para a mãe e para o bebé, é o parto normal vaginal e nada me repugna a que a diminuição das cesarianas seja incentivada. Porém fico sempre verde com o tom manipulador e moralista desta discussão. E não aceito que a redução das cesarianas seja feita a qualquer custo. Se aplaudo que se apresentem os riscos das cesarianas e as possíveis consequências para a saúde dos bebés e das mães, vamos lá se faz favor ser sérios e falar dos riscos dos partos vaginais.
Podemos começar pela incontinência urinária, duas vezes mais provável depois de um parto vaginal (incluindo dez a vinte anos depois). Sobretudo em caso de uso de fórceps ou de trabalho de parto prolongado. Além do desconforto e da limitação que a incontinência urinária traz à vida de uma mulher, aumenta para o dobro a probabilidade de se sofrer depressão pós parto. Que, da última vez que li, a acrescentar ao episódio depressivo da mulher que nunca calha bem, tem consequências não desprezíveis no desenvolvimento do bebé.
Continuemos referindo as episiotomias, uns cortes horrorosos e quase sempre desnecessários (mas feitos na mesma) na zona da vagina na altura do parto. Os obstetras em Portugal não querem saber se as grávidas estão para aí viradas ou não (geralmente nem se dão ao trabalho de falar no assunto), mas têm consequências. Algumas demoram a passar e podem requerer intervenções cirúrgicas. Dores, cicatrizes numa zona íntima, incontinência fecal, desconforto ou dor quando se retomam relações sexuais.
(Mas era o que faltava o prazer sexual de uma mulher contar para o deve e haver dos partos vaginais, não é? Ora essa, importante é o que médicos e burocratas do Ministério da Saúde, carregados de preconceitos, decidem. Não precisamos dessas modernices das vantagens de uma boa vida sexual para a saúde de uma mulher. Que seria?)
Podemos ainda referir que as condições nos hospitais públicos para as grávidas não são as mais amigáveis. Nem necessitamos de casos de violência obstétrica como os aqui relatados. Não é indiferente, numa altura de grande fragilidade, ter um médico que conhecemos e em quem confiamos (uma razão frequente para o médico decidir a cesariana) ou aparecer-nos um desconhecido à frente. Não é agradável (para ser moderada) passar por mudanças de turno e ser submetida a novos exames pela nova equipa, de que os infames toques são exemplo.
Eu fiz duas cesarianas, em hospitais privados graças ao seguro de saúde, com bestial recuperação. Aconteceram por motivos médicos, não por escolha. Mas recordo-me do momento quando o médico me disse que achava melhor uma cesariana, no primeiro parto ao fim de várias horas. Houve um misto de desilusão (sempre pensei ter um parto normal) com alívio por escapar à episiotomia certa. (O obstetra – que na segunda gravidez respeitou a minha fúria com os toques – não se rendeu na possibilidade da episiotomia.)
Por tudo, considero inteiramente aceitável que uma grávida se decida a fazer cesariana, sem ter de receber ralhetes moralistas. Este direito a escolher é muito mais respeitável que aquele que termina uma gravidez – e o estrépito que seria se alguém o pusesse em causa ou tentasse dar conselhos às mulheres que pretendem abortar. Numa época de baixa natalidade em que se quer convencer mulheres a terem filhos, seria avisado o SNS e o governo não se fazerem difíceis quanto aos cuidados maternos que fornecem às mulheres.
Até aceitaria que o SNS não acomodasse a vontade das mulheres quanto às cesarianas. Mas se se pagam abortos, juntamente com licença de um mês paga a 100% do ordenado (as outras intervenções cirúrgicas recebem apenas parte), lamento, este direito à escolha de uma grávida não pode ser terraplanado.
E quem não treme de alegria ao pensar que um hospital público preferirá usar fórceps no seu parto demorado em vez de, por medo de perder financiamento, avançar para uma cesariana?