“Segmentação” é o título de um trabalho publicado por Mário Centeno, em conjunto com Álvaro A. Novo, em 2012, no Boletim Económico do Banco de Portugal. De acordo com este estudo, o mercado de trabalho está dividido em dois sub-mercados: os trabalhadores que algures no tempo conseguiram aceder a um contrato de trabalho sem termo e gozam de elevada proteção no emprego e os trabalhadores que dificilmente conseguem sair do ciclo de contratos a termo intercalados com períodos de desemprego. Defendem aqueles autores que esta segmentação causa ineficiência do mercado de trabalho e gera falta de produtividade. No fundo, a segmentação gera injustiça e pobreza, devendo ser combatida.

A ideia da necessidade de implementar um regime mais inclusivo já tinha sido defendida por um conjunto de peritos nomeados pela Comissão Europeia, conhecido como o Grupo de Madrid, liderados por Alan Supiot, num relatório do final da década de 90 intitulado “As Transformações do Trabalho e do Direito do Trabalho na Europa”. Sustenta-se nesse relatório entre outras coisas que a função do Estado é mais a de apoiar as transições profissionais das pessoas e menos a de defender vínculos laborais.

Defende Mário Centeno que o combate à segmentação deve ser feito através uma atuação concertada global que incida sobre três aspetos: (i) alteração de regras relativas à legislação laboral no que se refere a proteção do emprego; (ii) alteração da lógica do “subsídio” de desemprego para um regime mais próximo de um “seguro” de desemprego; (iii) contenção na evolução do salário mínimo nacional.

Relativamente à primeira dessas medidas, escreve Mário Centeno neste estudo: “As atuais diferenças de custos processuais de despedimento entre contratos a prazo e contratos permanentes constituem a maior barreira a uma afetação eficiente da mão-de-obra. Para reduzir a segmentação é necessária uma redução significativa destes custos, que na sua forma atual recaem sobre os dois lados do mercado de trabalho.” Ou seja, o combate à precariedade do trabalho passa também pela redução do grau de proteção dos contratos sem termo.

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Tendo Mário Centeno um papel preponderante na elaboração do programa eleitoral do PS, não é de estranhar o aparecimento da proposta de despedimento conciliatório. Também se compreende que no debate que precedeu o programa eleitoral do PS se tivesse debatido a proposta do contrato único de trabalho. Este contrato único teria como objetivo aproximar em termos de proteção os dois sub-mercados de trabalho, criando um nível de proteção intermédio.

Porém, esta ideia não é consensual. Existe uma fação sindical que se mantém fiel ao espírito fundador do sindicalismo de procurar conquistas progressivas através de uma atuação conflitual.

Talvez isso explique o motivo pelo qual o programa de governo tenha enveredado por uma linha oposta à defendida por Mário Centeno. A proposta do despedimento conciliatório pura e simplesmente desapareceu. Em vez disso, fala-se na promoção da arbitragem voluntária, o que não vem acrescentar nada face a realidades já existentes como a da mediação laboral. Em vez do contrato único de trabalho, propõe-se limitar seriamente aos contratos a termo e um combate aos “falsos recibos verdes”. No que se refere a subsídio de desemprego, prevê-se uma alteração apenas do lado das contribuições dos empregadores.

Como refere Mário Centeno, “a finalidade da legislação do trabalho é a de conciliar os objetivos, potencialmente antagónicos, de empresas e trabalhadores.” Por outro lado, uma reforma eficaz nesta área tem de ter global, tocando os vários aspetos referidos. De outro modo, irá originar um incremento da segmentação. Por outras palavras, não contribui para a inclusão, justiça e diminuição da pobreza. Apesar disso, Mário Centeno defende este programa. É um discurso segmentado entre o meio académico e o combate político.

Jurista e gestor de Recursos Humanos