“Com papas e bolos se enganam os tolos”. Mas parece que por Portugal abundam poucos tolos, a crer na reacção que os portugueses estão a ter à combinação de política económica escolhida pelo Governo. Estamos a gostar da mensagem, levando em conta as sondagens, mas não actuamos de acordo com o que nos está a dizer o Governo. Qualquer coisa como “ouve o que eu digo, mas não faças o que eu digo”.
As perspectivas que, em matéria de impostos, abrem o Orçamento do Estado de 2017 são igualmente desanimadoras. O Negócios revela esta quinta-feira que o Governo prepara um novo imposto sobre património imobiliário. Temos de nos preparar para ver o sector imobiliário perder a pouca animação que tinha, especialmente no segmento da requalificação de casas no centro das grandes cidades. Esperemos que não se confirme, mas este imposto tem condições para ser mais um contributo para afundar a economia.
O imposto anunciado revela ainda até que ponto um país pode ser conduzido pela política no seu pior sentido. Primeiro incentivam-se as pessoas a comprarem casa, depois atira-se com impostos e mais impostos em cima das casas. E, na conjuntura actual, as melhores soluções de política económica não são adoptadas ou por razões eleitoralistas ou para não reconhecer que a receita de devolver rendimentos, por ter sido demasiado rápida, agravou ainda mais os nossos problemas.
Lamentavelmente para nós, o modelo que Mário Centeno usou para fazer o programa económico do PS deve ter-se esquecido de levar em conta a restrição financeira. Infelizmente para nós, com o seu modelo validou tecnicamente uma política económica que nos vai sair cara, nesta era populista que estamos a viver.
Na ausência de reacção da economia aos incentivos do Governo para aumentar o consumo, o Orçamento do Estado para 2017 dá o primeiro ar da sua graça revelando uma medida que vai também desincentivar o investimento em imobiliário. Não é obviamente um contributo para o dinamismo da economia. E sem crescimento a dívida torna-se mais pesada, mais difícil de pagar.
Estamos entregues a nós próprios. Porque na frente da política europeia não existem condições para ajudas fáceis no curto prazo. Os mais importantes países europeus, designadamente a Alemanha e a França, não vão querer ouvir falar em “resgates” durante os próximos doze meses.
Eleições, eis os acontecimentos que vão apoiar Mário Centeno na sua batalha contra o resgate. A Alemanha terá eleições no Outono de 2017, a França eleições na Primavera de 2017. Ninguém vai querer debater as necessidades financeiras de Portugal, especialmente depois de parte delas terem sido criadas pelos governantes do país.
Um dos mais preocupantes sinais de pressão chega da taxa de juro da dívida pública. Apesar de o BCE estar no mercado a comprar títulos, a diferença entre as taxas de juro da dívida portuguesa a dez anos e as da Alemanha têm estado a subir. Nos últimos seis meses de 2015 a média dessa diferença foi de 1,92 pontos percentuais. A média dos últimos seis meses terminados em Agosto foi já de 2,89 pontos percentuais.
A pressão no mercado primário – aquele que nos dá os juros de facto pagos pelo Estado – também já se fez sentir na quarta-feira, dia 14 de Setembro. No empréstimo de 500 milhões a sete anos, o Tesouro pagou 2,82% quando antes a taxa tinha sido 2,35%. No financiamento de 250 milhões a 20 anos suportou um juro de 4,02%, o que compara com 3,23% na emissão anterior equivalente. A desconfiança começa a ter efeitos.
Infelizmente, alertar para os riscos que estamos a correr é uma tarefa inglória. Há vários estudos académicos, designadamente no domínio da economia comportamental, a demonstrarem que os avisos pouco ou nada mudam a dinâmica da realidade. Um facto que se aplica especialmente nos mercados financeiros, mas também a qualquer anúncio de uma crise. Foi assim, por exemplo, na crise financeira de 2007 que, apesar de alguns a terem antecipado, ninguém conseguiu evitar.
Na resposta a uma pergunta sobre um eventual segundo resgate Mário Centeno disse que esse era o seu trabalho, evitá-lo. As reacções que estamos a ver na economia e nos mercados financeiros dizem-nos que estamos a entrar em zonas cada vez mais arriscadas, andamos crescentemente no radar dos analistas e comentadores como um país no fio da navalha. Para já poderemos não ter o azar (ou a sorte) de um segundo resgate, porque os países europeus preferem agora fingir que nada está a acontecer. Mas isso significa que temos de arranjar dinheiro de outra forma. Mais impostos já se anunciam.
Com “papas e bolos se enganam os tolos”, apenas parcialmente. Gostámos de ouvir que acabou a austeridade mas não actuámos como se ela tivesse terminado. Ainda bem.