Os políticos são vistos pelos portugueses como aqueles que têm mais poder, de acordo com o Barómetro do Jornal de Negócios enquadrado na iniciativa “O poder de fazer acontecer”. São quase 44% os inquiridos que identificam a atividade política como a mais poderosa, seguindo-se os juízes, muito atrás, com 13,3%. E quando se pergunta o que é ter poder, 73% dizem que é “uma pessoa poder fazer com que os outros façam o que ela quer”. Ter dinheiro está muito em baixo nesta tabela. Além disso a maioria (55,3%) olha para os poderosos como pessoas que têm comportamentos menos éticos.

Esta imagem, que os inquiridos dão do poder, é genericamente consistente com aquilo a que temos assistido nos últimos tempos em Portugal. Políticos que nos transmitem a imagem de usarem o poder que têm, mais para se servirem a si e aos do seu grupo de amigos e conhecidos, do que para servir a comunidade. Com comportamentos que podem escapar nas teias da lei, mas que estão longe de poderem ser considerados éticos. O que acaba por nos dar uma imagem de uma comunidade que só funciona com favores, sem respeito pelas instituições.

Olhemos para alguns casos.

Comecemos pelo Governo. O primeiro-ministro agora demissionário foi permitindo, ao longo da sua maioria absoluta, que faria dois anos em Março do próximo ano, que se fossem acumulando “casos e casinhos”, desvalorizando todo o tipo de comportamentos e quase nos colocando perante a situação de “ou vai preso ou nada acontece”. E assim desperdiçou uma oportunidade única, com uma maioria no Parlamento, a economia sem problemas, as finanças públicas resolvidas de forma discutível e dinheiro europeu como nunca houve.

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António Costa preferiu sempre os jogos de poder a exercer o poder com políticas estruturais mais difíceis. Encontrou, aliás, em Belém alguém que, desse ponto de vista, da paixão por jogos de poder, foi a sua alma gémea. Nos primeiros anos, sem maioria absoluta, deixou a Geringonça governar como quem permite que jovens cheios de energia se divirtam desde que não gastassem muito dinheiro – ou, pelo menos, que tacitamente aceitassem o seu jogo, como aceitaram, de deixarem os serviços públicos a “pão e água” enquanto se anunciavam aumentos de salários, subsídios e pensões.

Até ao último momento assistimos a esse desrespeito pelas instituições. Um dos últimos exemplos aconteceu no Parlamento. O primeiro-ministro tinha acabado de sair do plenário depois da aprovação do seu último Orçamento, falou aos jornalistas e, sem que se desse sequer tempo a que a despedida de António Costa fizesse o seu caminho, eis que surge o deputado do PS João Paulo Rebelo a fazer a sua defesa. Exactamente no mesmo sitio em que minutos antes tinha estado o primeiro-ministro, o ex-secretário de Estado resolveu defender-se da investigação de que está a ser alvo, a Operação “Arrangements”, em que se suspeita de favorecimento. Tudo feito e olhado com a maior das normalidades. Não está em causa o seu direito a defender-se do que está na praça pública, está em causa o sítio e o momento que escolheu, indiferente ao facto de se ter acabado de aprovar o último Orçamento de António Costa.

No Banco de Portugal Mário Centeno confunde-se com a instituição, alimentando legitimamente a crítica, de que está a ser alvo, de estar a usar o cargo como trampolim para outros voos. Não se percebe bem o que quer, mas a sua precipitação no caso da sua indicação para primeiro-ministro, por parte de António Costa, mostra bem que ser governador não o satisfaz.

Mário Centeno resolveu quebrar a tradição e iniciar análises pessoais. A primeira que fez foi a 4 de Setembro, gerando várias críticas. Questionado sobre o tema na apresentação do Boletim Económico de Outubro afirma: “era o que faltava que o governador não pudesse partilhar a opinião com os portugueses”. Porque, disse, entre outras coisas, é o governador que vai às reuniões em Frankfurt. Pensaríamos nós que estaríamos perante uma forma de responsabilização (tradução de accountability) perante os portugueses e tínhamos aí um racional. Eis se não quando o governador faz uma segunda análise, desta vez sobre o mercado de trabalho, mas insere-a no Banco de Portugal apenas em inglês. A partir daqui não podemos dizer que estamos perante a prestação de contas que foi usada como justificação por parte do governador.

Entremos agora no Partido Socialista que se prepara para eleger um novo líder. E eis que nos deparamos atónitos com o apoio de duas personalidades a Pedro Nuno Santos com quem, pensávamos, sempre tinham discordado, justificando aliás o seu afastamento de António Costa.

Estamos obviamente a falar de Francisco Assis – que na entrevista ao Observador justifica-se dizendo que as circunstâncias mudaram – e de Álvaro Beleza, igualmente critico da Geringonça. Um e outro vistos como menos à esquerda do que Pedro Nuno Santos acabam a apoiá-lo, quando todo o seu passado os colocava mais na linha de José Luís Carneiro. Que circunstâncias podem mudar tanto que levem as pessoas a apoiar ideias que não são as suas é algo difícil de compreender. Talvez a eventual vitória de Pedro Nuno Santos nos faça perceber melhor – ou pior – estas opções.

Chegamos finalmente ao designado “caso das Gémeas”. Já todos percebemos que houve “pistolão” – que usando o dicionário significa, em português do Brasil, “empenho ou recomendação de pessoa importante ou influente”.

Como se não nos bastasse tudo aquilo a que temos assistido nos últimos tempos, temos agora o Presidente da República envolvido num caso em que, já restam poucas dúvidas, houve um manifesto tratamento de favor. E o Presidente quer que acreditemos que ele acredita que um mail do seu filho dirigido ao Governo iria cair no esquecimento.

Sim, é verdade que os presidentes enviam para os governos os pedidos que lhes chegam, mas, como alguém dizia, devia ter recusado de imediato o pedido do filho. Sim, muitas vezes a família acaba prejudicada, ou devia, quando ocupamos cargos de liderança e responsabilidade. Não é isso que temos visto, mas não esperávamos que acontecesse com Marcelo Rebelo de Sousa. Seja como for, há toda uma cadeia a seguir ao Presidente que se submeteu e não teve a coragem de dizer “não”.

Neste momento só nos falta saber quem é que deu as ordens, ou seja, todo o circuito após o envio das comunicações do Presidente para o Governo. Sabemos bem, como Marcelo Rebelo de Sousa sabe, como o Governo se esforçava para agradar ao Presidente – todos se lembram da troca de mensagens entre o secretário de Estado das Infraestruturas de Pedro Nuno Santos e a então presidente da TAP sobre a mudança de um voo.

A entrevista de Marta Temido, que ficará na história como a principal responsável pelo estado a que chegou o SNS, é o exemplo daquilo que não queremos a governar-nos. Não se lembra, teve de pedir documentos, diz que no nosso país as coisas não funcionam assim. Mas quando questionada sobre os telefonemas insistentes da sua secretária para o diretor de serviço diz: “não comento” para só depois dizer que “não é verdade”.

Como se tudo isto não bastasse, com exceção do Presidente que nos veio dizer o que se passou, todos os outros protagonistas políticos até agora conhecidos refugiam-se na Justiça. Como disse Miguel Pinheiro na CNN Portugal, querem explicar, mas à polícia. Reforçando a ideia de que o poder é para usar como se quer, sem responsabilização. Consideram que nada nos têm de explicar, a nós, o povo que representam e que lhes delegou o poder, povo esse que parecem desprezar e apenas usar.

O poder está a ser isto, é afinal o poder dos políticos e aquilo que os portugueses entendem ser o poder: “uma pessoa poder fazer com que os outros façam o que ela quer”, como a maioria disse no Barómetro do Jornal de Negócios. O problema é que orientar as pessoas para fazerem o que ela quer para o bem comum é uma coisa, para o bem do grupo de amigos e conhecidos nada tem a ver com as razões por que elegemos os nossos governantes.

Já assistimos à queda dos gestores vedeta ou com um enorme poder quando colapsámos financeiramente, com o inimaginável protagonizado pela queda de Ricardo Salgado. Estão substituídos por uma nova geração que o tempo dirá se são melhores a gerir as empresas, olhando para todos os intervenientes e não apenas para o lucro e o poder.

Temos de caminhar para uma nova geração de políticos que deixe de usar a terrível e desresponsabilizante frase “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. A política não se pode entregar apenas à lei, antes dela tem de respeitar códigos éticos e morais. O poder não é para usar em proveito próprio e dos seus grupos de amigos e conhecidos, sem respeito pelas instituições e pelo povo.

Já vivemos tempos suficientemente perigosos, em que a classe política é mal vista, para ainda alimentarmos mais esse sentimento, para proveito dos populismos e até de autocracias. Os partidos têm de aproveitar estas eleições para se regenerarem, especialmente os que fazem parte do regime, o PS e o PSD. Embora a esperança seja a última a morrer, não é isso que se está a ver. Estamos a andar perigosamente para o abismo que ameaça a democracia e a liberdade e alimenta o populismo.