No mundo mágico que nos oferecem, o BCE não aumentava as taxas de juro, os governos continuavam a meter-nos dinheiro no bolso e, magicamente, a inflação diminuía e a economia e o emprego cresciam. Melhor do que isto só mesmo aquela criança que, quando os pais dizem que não têm dinheiro, lhes responde ‘vai ali à parede tirar’. É lamentável que alguns protagonistas políticos tenham a irresponsabilidade, sem peso na consciência, de alimentar esse pensamento mágico, em vez de aproveitarem a oportunidade para explicar os efeitos da inflação e de como é muito mais nefasta do que a subida dos juros.

O governador do Banco de Portugal Mário Centeno, em entrevista ao El Pais, explica esse efeito. “A inflação é mais regressiva e socialmente injusta do que as medidas que usamos para a combater”, afirma Centeno numa frase que, apesar de não ser fácil de compreender para todos, devia aparecer sempre que alguém se lembra de criticar a subida dos juros. Claro que o governador do Banco de Portugal faz parte do grupo dos que consideram que não devia ter existido esta última subida, que o BCE devia esperar para ver os efeitos de um agravamento dos juros realizado a uma velocidade muito acelerada.

Mas pelo menos neste momento Mário Centeno já não usa o argumento da inflação do lado da oferta e que não é preciso aumentar os juros porque não se influencia o preço da energia, o peregrino argumento que até Christine Lagarde utilizou e que levou o BCE a atrasar-se na decisão de subida dos juros. E a iludir as pessoas de que ia ser possível manter aquelas taxas de juro historicamente baixas, mesmo com a inflação a subir. Nunca saberemos a dimensão, mas se o BCE tivesse começado mais cedo a subir os juros muito provavelmente precisávamos de usar uma dose inferior de aperto monetário para reduzir a inflação.

Imagine-se que o BCE não era independente e estava nas mãos dos que nos dizem que não é preciso aumentar juros ou dos que, como o Presidente da República, pensam que a subida dos juros, com as eleições europeias a aproximarem-se, alimenta os radicalismos. Será que quem defende esta tese não consegue pensar no que aconteceria se os juros não tivessem subido? Estaríamos com a inflação mais elevada este ano e no próximo. E aí podem estar seguros que os populismos aumentariam mais rapidamente já que seriam as famílias mais vulneráveis – como disse Centeno na entrevista – a receber o maior impacto da subida dos preços.

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Com certeza que há famílias, com crédito à habitação, a enfrentarem um aperto significativo no seu orçamento familiar pelo efeito conjugado da subida da prestação da casa e da perda de poder de compra por causa da inflação. Mas se os gastos familiares não registaram um aumento significativo, o maior problema está nos contratos mais recentes, uma vez que as taxas Euribor já estiveram mais altas do que agora, tal como os juros dos novos empréstimos. No início de Setembro de 2008, dias antes da falência do Lehman Brother’s, só a Euribor a 3 meses estava abaixo dos 5%. E se olharmos para as taxas dos novos contratos, entre setembro de 2007 e dezembro de 2008 quem contraiu crédito à habitação começou por pagar taxas acima dos 5% (quase 6% em novembro de 2008), ainda acima do que se está a praticar neste momento.

Temos de ser muito prudentes nas criticas à subida dos juros por causa de quem tem crédito à habitação, porque podemos estar a ver o sofrimento de um grupo como o mais grave apenas porque é aquele em que estamos inseridos ou se consegue fazer ouvir melhor. Sem dúvida que há famílias que viram a sua prestação duplicar, ou quase, e as que obtiveram os empréstimos nesta era de juros baixos podem ter-se endividado um pouco acima do que de facto aguentavam. Mas todos os dados do Banco de Portugal nos dizem que este grupo é reduzido. Ainda que alguns possam precisar de ajuda, a situação pode ser menos dramática do que parece pelo que ouvimos e lemos.

Por isso mesmo o Governo, agora que está a olhar para as contas do Estado do próximo ano, tem de ser prudente e ajudar mesmo e apenas quem precisa de ser apoiado a atravessar esta fase de preços e juros a subir. Todos os esforços têm de estar concentrados na redução da inflação, o que inclui também o Governo. Com o BCE a travar e os governos a acelerarem nunca mais conseguimos controlar a inflação e os danos serão cada vez maiores.

Não há milagres nem magias no combate à inflação e podemos mesmo acreditar que estaríamos agora muito piores se o BCE não tivesse começado a combatê-la. Citando livremente Mário Centeno, a inflação provoca muito mais danos do que a subida dos juros. Até quem tem crédito à habitação estaria pior do que está, se os juros não tivessem subido, porque estava a perder poder de compra com a subida dos preços. E quem não tem sequer dinheiro para ter crédito à habitação estaria muitíssimo pior. Essa era a realidade alternativa, com inflação mais elevada e possível recessão em vésperas de eleições europeias. Assim sim se estava a fertilizar terreno para os radicalismos.