“A minha primeira palavra é de acção de graças a Deus, pelo dinamismo do Evangelho, que consentiu o notável crescimento da Igreja de Cristo nestas terras e permitiu a generosa contribuição que ela ofereceu, e continua a oferecer, à sociedade norte-americana e ao mundo”, afirmou o Papa Francisco, na catedral de São Mateus, em Washington, na sua alocução ao episcopado norte-americano, no passado dia 23 de Setembro.

Palavras de agradecimento e de louvor a Deus, mas também de entusiasmo e de optimismo ante “o notável crescimento da Igreja de Cristo nestas terras”. Se é verdade que, em alguns países da velha Europa, o catolicismo parece estar em regressão, o mesmo não acontece no mundo, pois tem vindo a crescer todos os anos o número total de católicos, sobretudo graças às pujantes igrejas americanas, do norte ao sul, asiáticas e africanas. Que esta constatação tenha sido feita pelo primeiro Papa do novo mundo é sintomático da globalização e rejuvenescimento eclesial. A Europa, que foi durante séculos o continente de que eram oriundos os missionários, é agora terra de missão, porque não são poucas as dioceses europeias que recorrem à ajuda de evangelizadores – sacerdotes, religiosos e leigos – oriundos de África, América e Ásia.

Mas não basta que a Igreja católica, fazendo jus ao seu nome, esteja em todo o mundo, é preciso que desempenhe o seu ministério ao serviço da humanidade e, em particular, dos mais desfavorecidos. Por isso, foi “com vivo apreço” que o bispo de Roma agradeceu, “comovido”, a “generosidade e solidariedade” dos católicos estado-unidenses “com a evangelização em muitas partes atribuladas do mundo”.

Uma causa, em especial, distingue a Igreja norte-americana e, em particular o seu corajoso episcopado: o seu “indómito empenho”, como referiu Francisco, “em prol da causa da vida e da família”. Recorde-se que a visita a Cuba e aos Estados Unidos da América decorreu por ocasião da Jornada Mundial da Família, celebrada em Filadélfia e a que o vigário de Cristo presidiu.

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Uma questão também abordada por Francisco foi a da imigração, dado o ininterrupto fluxo de pessoas que diariamente pretendem cruzar as fronteiras dos Estados Unidos da América. Embora seja um tema politicamente sensível, como também o é na Europa, o Papa não deixou de a ele se referir com a sua habitual frontalidade, mobilizando as hostes católicas  para o acolhimento destes desfavorecidos: “Sigo atentamente o esforço enorme feito para a recepção e integração dos imigrantes, que continuam a olhar para a América com a visão dos peregrinos que chegaram à procura dos seus promissores recursos de liberdade e prosperidade”.

O Papa Francisco dirigiu palavras de especial alento ao empenhamento dos bispos no que se refere ao ensino católico: “Admiro a canseira com que levais por diante a missão educativa nas vossas escolas de todos os níveis e a obra caritativa nas vossas numerosas instituições”. Numa referência que pode ser entendida como um recado para a administração norte-americana, Francisco aproveitou a ocasião para recordar que “são actividades realizadas frequentemente sem qualquer estímulo ou apoio e, em todo o caso, mantidas heroicamente com o óbolo dos pobres”. Não obstante as imensas dificuldade económicas, o Santo Padre recordou aos bispos que não são empreendimentos dispensáveis, “porque tais iniciativas derivam de um mandato sobrenatural a que não é lícito desobedecer”.

Um tema obrigatório em terras do Tio Sam era, como não podia deixar de ser, a pedofilia, que tanto abalou a Igreja nos Estados Unidos da América. É, graças a Deus e ao empenho dos papas Bento XVI e Francisco e do episcopado estado-unidense, uma situação já ultrapassada, mas que mereceu uma emotiva referência de Jorge Mário Bergoglio: “Estou consciente da coragem com que enfrentastes momentos obscuros do vosso percurso eclesial, sem temer autocríticas nem vos poupardes a humilhações e sacrifícios, sem ceder ao temor de vos despojardes de quanto é secundário, contanto que se recuperasse a credibilidade e a confiança requerida aos Ministros de Cristo, como o espera a alma do vosso povo singular”.

Recorde-se que a arquidiocese de Boston, a que preside o Cardeal franciscano Sean O’Malley, especialmente próximo do Papa, teve que vender quase todos os seus bens patrimoniais, incluída a residência episcopal, para fazer frente às avultadas indemnizações devidas às vítimas. Dolorosa foi também a justa e necessária decisão de afastar do ministério pastoral todos os prevaricadores, bem como os superiores que, estando a par desses abusos, deles foram cúmplices com o seu silêncio. Mas desta penosa catarse emergiu uma Igreja mais pura e mais forte, porque renovada pela sua própria penitência e enriquecida com o inestimável dom da pobreza evangélica.

Francisco foi claro também ao afirmar, mais uma vez, que, nestes casos, deve ser sempre dada prioridade às vítimas, mesmo que à custa da honorabilidade da instituição: “Sei quanto vos pesou a ferida dos últimos anos e acompanhei o vosso generoso esforço para curar as vítimas – conscientes de que, curando, também nós ficamos curados – e para continuar a agir a fim de que tais crimes nunca mais se repitam”.

No encontro com os bispos participantes no 8º Encontro Mundial das Famílias, o Papa seria ainda mais explícito, ao dizer que, “ante os crimes e pecados dos abusos sexuais de menores” praticados por sacerdotes, “Deus chora”. Francisco, uma vez mais, comprometeu-se “a uma zelosa vigilância da Igreja para proteger os menores” e prometeu “que todos os responsáveis prestarão contas”.

Se é verdade que este escândalo, especialmente grave nos Estados Unidos da América, abalou seriamente a Igreja local e mundial, também é verdade que, como disse o Papa em Filadélfia, “os sobreviventes de abusos transformaram-se em verdadeiros arautos de esperança e ministros de misericórdia”. Com efeito, em boa parte graças a essa horrível crise, os papas e o episcopado norte-americano e mundial implementaram a reforma que, em toda a Igreja católica, garante que “tais crimes nunca mais se repitam”. Nunca mais!

Sacerdote católico