Na semana passada, o Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, incendiou as redes sociais e dividiu os católicos com a sua Nota Pastoral sobre o caminho que os católicos recasados devem percorrer para aceder aos sacramentos católicos. O caminho mais directo, explica o Cardeal, é o da “continência” sexual. Perante tão inusitado conselho, as reacções foram imediatas. As mais violentas terão sido mesmo dentro do seio da Igreja, como a de Frei Bento Domingues, que chama à Nota Pastoral de Manuel Clemente um “acto da teologia das palavras cruzadas”, dizendo que, em vez de se estar perante uma orientação pastoral, se está perante um “delírio mental”.

Não serei eu, naturalmente, quem explicará aos casais católicos portugueses como devem viver a sua vida sexual. Para esses assuntos, há cardeais mais qualificados do que eu. Mas não consigo deixar de me interrogar sobre de onde vem toda esta obsessão com a abstinência sexual. Quem leu a Bíblia sabe que não há nenhuma especial obsessão com este assunto nos textos sagrados. Pelo contrário, lá podemos encontrar bela poesia erótica e grandes rebaldarias, também.

Na semana passada, João Miguel Tavares escreveu que há um teólogo alemão, Eugen Drewermann, que argumenta que a obsessão da Igreja Católica com o sexo é resultado do peso do celibato dos padres (as freiras também devem sofrer, claro, mas não têm a mesma influência na doutrina). E que outras religiões em que os seus sacerdotes não são obrigados a um voto de castidade têm uma atitude bem mais saudável em relação a este assunto. Bem, aqui há que dar um passo atrás e reconhecer que os imãs podem coisar, mas lá há muitos a defender coisas perfeitamente atrozes.

Mas voltemos à abstinência católica: como imaginam, não sou grande estudioso da teologia das consequências da continência sexual dentro da hierarquia católica, mas esta explicação não é de todo implausível. Afinal, já todos nós quando estamos perante um colega que está mais irritadiço comentámos (ou, vá lá, pensámos) este gajo está a precisar de mandar umas quecas, gajo ou gaja, claro. Felizmente, nunca tive de passar por períodos muito longos de abstinência, mas pude observar alguns efeitos ligeiros enquanto estive a fazer o meu doutoramento nos Estados Unidos. Os primeiros efeitos senti-os logo na minha primeira semana. Não em mim, mas nos meus colegas, que tinham ido quatro semanas antes, para fazerem uma disciplina de Matemática para economistas de que eu tinha sido dispensado. Ao fim de um dia de aulas, fui com eles a uma cervejaria ali perto. Eu era ainda um corpo estranho, mas já se conheciam uns aos outros. Depois do primeiro jarro de cerveja, a propósito de nada, começa tudo a falar em sexo. Imediatamente pensei que se estavam a falar era porque não estavam a praticar e não me enganei. Quando dei conta, estavam a contar quantas vezes se masturbavam por dia e fiquei a saber pormenores como aqueles que se vêem nos filmes, do género de como sinalizar aos roommates que não devem entrar no quarto ou coisas assim.

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Uma das raparigas — chamemos-lhe, ficticiamente, Elsa — parecia um pouco mais desesperada do que os restantes. A dada altura já me estava a dizer quantas vezes por dia se masturbava. Eu ainda não sabia o nome dela e já conhecia com algum detalhe a sua vida erótica. Foi um fim de tarde um pouco perturbador. Uns anos mais tarde, percebi o quão desesperada estava a Elsa. Foi numa cheese and wine party em casa da Ching-Mei.

(Por falar nisso, devo dizer aos nossos empreendedores que há alguma coisa no vinho da Madeira que deixa os chineses loucos, absolutamente loucos. Mal provaram o que levei, não o largaram e não deixaram mais ninguém sequer provar de nenhuma das garrafas.)

Mas voltemos à vida de Elsa. A dada altura, ela começa a discutir com alguma violência com o Patrick, o católico do nosso grupo. Eu sou um agnóstico radical, mas, enquanto estive emigrado, senti a cultura católica como minha e entrei na discussão defendendo o Patrick. Ao fim de 10 minutos ficou tudo claro. O namorado da Elsa tinha-a trocado por outra. Mas o problema não era esse. Ela estava muito frustrada porque há cinco anos que não fazia sexo, precisamente porque ele era católico e, como bom católico, não fazia sexo antes do casamento.

Já agora, devo dizer, não percebi logo o problema, porque, para descrever esta atitude de preservar a virgindade até ao casamento, as palavras escolhidas eram peculiares: “he did not believe in sex before marriage!” Não acreditava em sexo antes do casamento? É doido ou faz-se? O que há para não acreditar?! Ou se faz ou não se faz. Pois, ele não fazia e a Elsa, como mulher leal, ficou entregue às suas próprias mãos durante todos aqueles anos. Não consigo imaginar o stress acumulado da pobre. Na altura, eu pensava que a moça andava muito nervosa por ter medo de não conseguir acabar a tese. Afinal era por não ter como libertar o stress acumulado. Até a pele estava baça.

Enfim, a falta de discernimento causada pela privação era tanta que ela culpava o catolicismo e, portanto, não servia de nada ao Patrick alegar inocência pessoal. Bem que lhe tentei explicar que, na verdade, o namorado queria mesmo fazer sexo com ela e que aquilo de “não acreditar em sexo antes do casamento” era apenas uma desculpa de alguém nervoso com a sua primeira vez e que, claro, ao fim de 5 anos, o rapaz a havia trocado por outra que fosse para a cama com ele. O que fui dizer… não vos conto o resto da conversa, fica apenas esta nota: uns anos de abstinência deixam algumas mulheres à beira de um ataque de nervos.

Também devo ter sofrido alguma coisa com estas provações. Regra geral, ao fim de dois meses seguidos nos EUA, os meus amigos começavam a queixar-se de mim: que estava impossível de aturar e que precisava de estar com a minha mulher. Houve um Verão em que não vim a Portugal, por causa de um estágio que fiz no FMI. É verdade que a minha mulher me foi visitar a Washington, mas umas semanas não dão para matar tantas saudades como um Verão inteiro. Resultado, ainda estávamos em Setembro e eu já estava impossível de aturar. As raparigas começaram a ter medo de ficar sozinhas comigo e, repito, estávamos em Setembro. Só em Dezembro é que regressaria a Portugal. Ainda bem que o movimento #metoo não é dessa época ou seria expulso da universidade acusado de assediar tudo o que mexia.

Perante isto, e na perspectiva de a coisa piorar, os meus colegas juntaram-se todos e decidiram pagar à minha mulher uma ida aos Estados Unidos para me ver. A ideia foi da Debbie, uma das minhas melhores amigas. Fizeram uma vaquinha entre eles, falaram com mais algumas pessoas — até um dos meus orientadores entrou — e compraram um bilhete de ida e volta para a minha mulher me ir visitar. Fizeram tudo em segredo, o Patrick foi buscar a Sandra a Boston e levou-a de carro até Ithaca, uma viagem de 6 horas. Não sei se alguma vez vos disse, mas tenho os melhores amigos do mundo.

Bem, esta crónica sem moral se calhar até é imoral. Mas é a minha forma de dizer que sexo faz bem. Faz bem ao corpo e ao espírito. Não fazer sexo faz mal. Os recasados já sabem como um casamento falhado pode ser doloroso. Recusarem-se a ter sexo por motivos religiosos é meio caminho andado para arruinarem esta nova tentativa de serem felizes. E, sempre que sentirem a reprovação da hierarquia católica, leiam a Bíblia e um dos mais belos poemas eróticos jamais escritos, o Cânticos dos Cânticos, de Salomão:

«Eu sou para o meu amado,
e os seus desejos voltam-se para mim.
Vem, meu amado,
saiamos para o campo,
passemos a noite nos pomares;
madrugaremos para ir às vinhas,
e ver se a vinha lançou rebentos,
se já se abrem as suas flores,
se brotam as romãzeiras.
Ali te darei os meus amores»