A propósito do sms enviado ao diretor-adjunto do Expresso, ocorre-me dizer muitas coisas, mas hoje fico só por uma: António Costa é um político surpreendente.

Não é surpreendente por esbracejar com o escrutínio da comunicação social. Afinal Costa é o orgulhoso herdeiro daquele primeiro-ministro investigado por um plano para controlar os meios de comunicação social.

E Costa, apesar da idade, é um político velho. Cresceu, há muito tempo, em idade e sabedoria (sobre tricas políticas) com uma comunicação social mais respeitosa (quando uns gritos a um jornalista mais atrevidote resolviam tudo), antes do trauma coletivo que são os anos socráticos e a sua apoteótica bancarrota final, sem redes sociais, nem blogosfera, nem internet que amplificasse os passos em falso. E agora nem doses maciças de terapia comportamental, nem frequência de reuniões de Abusadores de Jornalistas Anónimos, podem alterar hábitos antigos.

Também não surpreende por não saber responder às solicitações da comunicação social. Costa, na CML, recusou repetidamente ao Público documentos públicos sobre as adjudicações de obras pelo seu executivo – até esgotar os recursos judiciais disponíveis e se ver obrigado à disponibilização dos documentos. Este caso é com certeza expressão do extremoso amor de Costa pela transparência, pelo dever de informação, pelo escrutínio a que todos os políticos têm obrigação de se submeter. E foi também Costa que há meses nos divertiu num vídeo que correu as redes sociais onde, perante uma jornalista que se aproximou e o abordou na rua, furioso a acusou de ter saltado de trás de um carro (quiçá com salto de kung fu) e o ter assustado.

Por fim, não foi surpreendente a reação ao sms dos socráticos agora ressuscitados como costistas. Claro que o sms foi só um gesto impulsivo (Costa é uma espécie de D’Artagnan, cuja impetuosidade o faz colecionar desafios para duelos com os temíveis Três Mosqueteiros), inteiramente desculpável e o jornalista é que é um fracote se se sente pressionado. Ou – em alternativa – o sms era privado. Como se uma comunicação de um político a um jornalista, sem acordo de comunicação em off e sobre assuntos profissionais, fosse privado em democracias não inspiradas na Venezuela.

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Houve também a versão de Estrela Serrano, senhora que já teve responsabilidades na ERC (essa tenebrosa criação socrática), que no seu blog postou (em ‘António Costa e as virgens ofendidas’) que o líder do PS também tem liberdade de expressão e que apenas respondeu ‘na mesma moeda’. Termina com um ‘quem vai à guerra dá e leva’. Resumo para os descrentes: há quem em Portugal pense que um político que pode vir a ser primeiro-ministro está ao nível de um jornalista (na verdade nem esteve; já lá vamos) e pode discutir com eles como o meu filho de cinco anos (que o de nove anos já é conhecido pela sofisticação argumentativa) e os colegas da sala, com o ocasional pontapé seguido de dramáticas lágrimas e queixinhas à educadora e relato indignado quando a mãe o vai buscar.

Mas o sms de Costa tem o reverso. Surpreendeu-me que Costa acedesse a ser, afinal, tão transparente. O texto de João Vieira Pereira continha uma opinião perfeitamente aceitável e até cordata, ainda que discordante. Não era ofensivo e só alguém paranóico e incapaz de aceitar a mínima crítica pode responder no tom malcriado de António Costa.

Fora personalidade alucinada que explique o sms, o que queria mostrar Costa? Era um aviso à navegação, com a ameaça implícita que lá colocou de processo judicial (o crime seria, talvez, malícia comunicacional na forma tentada), de que voltaríamos ao sistema Sócrates de gritaria e processos a jornalistas? Esteve a ler The Taming of the Shrew, de Shakespeare, e decidiu tentar a sorte a amestrar a comunicação social? Se se tornar primeiro-ministro, o que se segue? Boicotes de publicidade institucional do Estado (e das empresas que vivem de contratos com o estado) aos media irreverentes?

Ou será que Costa – qual Cavaco com o ‘nunca me engano e raramente tenho dúvidas’ e Sócrates com o ‘animal feroz’ – quis desta forma atabalhoada mostrar garra perante o eleitorado, para estancar a sangria nas intenções de voto no PS? Ou foi a tentativa possível para evitar perguntas sobre as propostas de Mário Centeno, onde o partido que há poucos anos alargou despudoradamente a base de incidência da TSU (com a alegre anuência de Costa), aumentando as contribuições para a Segurança Social, passados meia dúzia de anos vê como essencial agir no sentido contrário e descer a TSU?

O que é certo é que o sms nos permite fazer o tal julgamento de caráter que Costa não aceita. Se estivéssemos nos Estados Unidos, já teriam aparecido anúncios na televisão com a imagem de Costa, a música que acompanha o Darth Vader no Guerra das Estrelas, e a pergunta ‘sabe quem é este homem?’ E, depois do sms, ficamos a saber um bocadinho melhor.