Os dirigentes russos vivem no pesadelo de serem surpreendidos por uma “revolução de veludo”, organizada a partir do exterior, não admitindo que possa haver alguém que na Rússia se oponha a Putin.

Aparentemente, estavam reunidas todas as condições para que a manifestação contra a corrupção em Moscovo decorresse da forma mais ordeira e pacífica. Os organizadores da manifestação, liderados por Alexei Navalny, tinham chegado a um acordo com as autoridades da capital russa sobre o local onde realizar essa iniciativa.

Mas as surpresas não tardaram a chegar. Os organizadores da manifestação de protesto contra a corrupção no país não conseguiram encontrar uma empresa que alugasse aparelhagens de som para o comício! Os directores de alguma delas reconheceram que não ousavam ir contra as ordens recebidas de cima. Ou seja, por um lado, as autoridades até admitem a realização de manifestações, mas, por outro lado, fazem tudo para silenciá-las, no sentido directo e figurado. Sem microfones não há discursos e sem imagens nos canais de televisão controlados pelo Kremlin não há manifestações.

Nesta situação, nada mais restou a Alexey Navalni do que utilizar as redes sociais, que os dirigentes russos ainda não conseguem controlar, para apelar aos seus adeptos que saíssem no dia 12, dia da Rússia, das suas casas para passear na Avenida Tverkskaia, a artéria central de Moscovo. Segundo ele, a Constituição do país não proíbe ninguém de passear nas ruas desde que não dificulte a fluência do trânsito.

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Como os principais utilizadores das redes sociais são os jovens, não foi surpreendente ver muitos entre os opositores. Além disso, não obstante todas as ameaças, eles saíram para a rua por não concordarem com a Rússia que Putin está a construir e lhes quer deixar. Em várias universidades e escolas, os alunos foram ameaçados de represálias se se juntassem aos protestos, mas eles responderam ao apelo de Navalny. Trata-se claramente de uma novidade, pois há alguns anos atrás os jovens tinham outras preocupações mais fáceis além da política.

Importa também salientar o grande número de detenções realizado pela polícia de choque e pela Guarda Nacional (pretoriana) da Rússia. Em Moscovo e São Petersburgo, foram mais de mil, o que significa que ou os agentes detiam “a torto e a direito”, o que também aconteceu, ou o poder tem mesmo medo da oposição e tenta assustá-la, principalmente numa altura em que o país avança para as eleições presidenciais de 2018.

A propósito, o dia das eleições presidenciais foi, através de uma decisão do Parlamento e do Presidente, antecipado para 18 de Março, dia em que se assinala o quarto aniversário da anexação da Crimeia pelas tropas russas. Mais uma forma de fazer recordar aos eleitores que foi graças a Putin que Moscovo mostrou os músculos ao mundo.

Enquanto a polícia se dedicava a encher camionetas e camiões de detidos, Putin discursava no Kremlin, fazendo um discurso que faria inveja aos nacionalistas: “Ano após ano, paralelamente ao desenvolvimento dos institutos democráticos, aumentou o grau de abertura da sociedade e tomou-se consciência da importância das próprias raízes e tradições, consciência de que só um forte país autónomo e independente pode ir em frente.

Segundo ele, “a força do Estado é garantida pela estabilidade política, pela unidade de objectivos e pela consolidação da sociedade”. Os protestos em Moscovo, em São Petersburgo e noutras cidades russas mostrou que nem todos os cidadãos russos estão de acordo com essa fórmula, mas é mais fácil atirar a polícia de choque contra eles, chamar-lhes “quinta coluna” e “agentes estrangeiros”, do que dialogar com os descontentes.

A História mostra que este tipo de política, mais tarde ou mais cedo, falha, e as consequências são imprevisíveis. A Rússia já se viu várias vezes em situações semelhantes.