Os apelos para a abertura de um inquérito nacional às alegações de abusos sexuais cometidos por políticos do Reino Unido nas décadas de 1970 e 1980 saíram reforçados, este domingo, com o lançamento de uma petição pública.

O Governo britânico tem vindo a enfrentar uma pressão cada vez maior sobre o tema, agora intensificada depois de ter sido dado como desaparecido dos arquivos oficiais um dossier com 114 ficheiros relacionados com os casos a que se referem as alegações de pedofilia, num incidente que veio reforçar as vozes daqueles que têm defendido a abertura de um inquérito.

A ministra do Interior do Reino Unido, Theresa May, deverá comparecer esta segunda-feira diante da câmara baixa do Parlamento precisamente para se pronunciar sobre as alegações relativas à rede organizada de pedofilia em Westminster, sede do Governo britânico, centradas num dossier facultado ao ministério do Interior em 1983 pelo deputado conservador Geoffrey Dickens, dado então como desaparecido pelas autoridades.

Isto depois de o próprio ministério ter revelado, este fim de semana, que há um total de 114 ficheiros relacionados com as acusações de pedofilia que estão em falta, os quais foram “alegadamente destruídos, estão desaparecidos ou não foram encontrados”.

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Impelido pela polémica a explicar o destino dos documentos entregues na década de 1980 por Geoffrey Dickens, que faleceu em 1995, o então ministro do Interior, Leon Brittan, disse ter encaminhado as informações relevantes para que fossem investigadas.

O Governo britânico garantiu que será levada a cabo uma nova investigação no sentido de apurar de que forma é que se lidou com o dossier compilado por Geoffrey Dickens.

Norman Tebbit, um proeminente conservador que assumiu diversos cargos no governo na década de 1980, disse à BBC que a rede poderá ter sido encoberta.

“Penso que naquela altura a maior parte das pessoas terá pensado que o sistema tinha de ser protegido e que, mesmo se algumas coisas tivessem corrido mal aqui e ali, era mais importante proteger o sistema e não ‘esgaravatar’ muito”, disse Tebbit, um dos aliados próximos da antiga primeira-ministra Margaret Thatcher.

“Precisamos de uma revisão abrangente liderada por especialistas em proteção de crianças”, disse Yvette Cooper, do Partido Trabalhista, por seu turno, numa carta aberta à atual administração.

“Quaisquer pedras que fiquem por remexer vão levantar preocupações relativamente à fraqueza institucional ou, mais grave, relativamente a um encobrimento que ficou por abordar”, disse.

Este domingo foi lançada uma petição pública reclamando a realização de um inquérito independente nacional às alegações, num caso que surge num período sensível para a coligação governamental liderada por David Cameron que se prepara para disputar as eleições do próximo ano.

Segundo a agência noticiosa AFP, a petição, que conta com 50 mil assinaturas, já gerou reações do deputado conservador David Mellor, que serviu no Ministério do Interior na década de 1980 sob os comandos de Leon Brittan, o qual advertiu para o risco de uma “caça às bruxas”.

O vice primeiro-ministro britânico, Nick Clegg, afirmou, por seu lado, que as investigações por parte da polícia serão suficientes, não se afigurando necessário realizar um novo inquérito.

As alegações relativamente à existência de uma poderosa rede de pedofilia envolvendo membros do Governo surgiram pela primeira vez na década de 1980, reemergindo em 2012, na sequência do escândalo implicando o antigo apresentador da BBC Jimmy Savile.

Jimmy Savile, que morreu em 2011, foi considerado pela Scotland Yard o maior predador sexual que existiu no Reino Unido.

As revelações desencadearam a chamada operação Yewtree, uma investigação a abusos sexuais alegadamente cometidos por celebridades que resultou designadamente nas recentes condenações do ex-apresentador australiano Rolf Harris, uma das estrelas da televisão no Reino Unido durante a década de 1960, e do guru das Relações Públicas e Marketing Max Clifford.