A televisão britânica que o ministro Miguel Poiares Maduro decidiu usar como modelo para a RTP está a atravessar uma fase conturbada. Em agosto de 2013, o governante, que tutela a área da comunicação social, afirmou que a nova gestão da RTP iria “em alguns pontos, na direção do modelo da BBC”. Daí resultou, em setembro deste ano, a criação do Conselho Geral Independente, um órgão de supervisão da televisão e rádio públicas que tem estado no centro da polémica em torno da compra dos direitos de transmissão dos jogos da Liga dos Campeões para as próximas épocas.

Só que, atualmente, a BBC vive dias agitados que dificilmente poderão servir de inspiração para Poiares Maduro. Senão vejamos:

  • No Reino Unido, à semelhança do que acontece agora em Portugal, o serviço de televisão pública é financiado por uma taxa equivalente à Contribuição Audiovisual que todos os meses os portugueses pagam através da fatura da eletricidade. Essa taxa é de 145,5 libras (cerca de 185 euros) desde 2010, altura em que a administração da BBC e o governo de David Cameron fizeram um acordo para manter esse valor inalterado até 2016.
  • No início deste ano diversas vozes começaram a manifestar-se a favor da substituição da taxa audiovisual por um sistema de subscrição voluntária – até porque, em 2013, 155 mil britânicos foram condenados judicialmente por terem fugido ao pagamento da taxa. Em resposta, a BBC propôs que a taxa fosse futuramente indexada à inflação, relançando assim o debate sobre o modelo de financiamento da televisão pública.
  • Para se ter uma ideia, a BBC (o grupo todo, com 25 canais de televisão e 59 estações de rádio) tem receitas anuais de aproximadamente 3.856 milhões de libras (perto de 4.900 milhões de euros), das quais 3.722 milhões vêm da referida taxa. O resto é fruto da publicidade. Em termos de custos, eles ascendem a 5.066 milhões de libras anualmente, segundo as contas do Telegraph. Dada a discrepância entre os dois valores, a BBC está a aplicar, desde 2010, um plano de austeridade interno que passa por despedimentos e também pela reformulação do serviço oferecido – o canal BBC 3, por exemplo, vai fechar em 2015.
  • Entretanto, no meio do debate sobre o futuro do financiamento da televisão britânica, o BBC Trust, um órgão independente de supervisão da BBC – semelhante, por isso, ao Conselho Geral de Independente da RTP – foi acusado pelo Partido Trabalhista de ser uma “elite urbana” que está distanciada do público e daquilo que o público quer ver. Em 2008, quando ainda não era primeiro-ministro, David Cameron assinou artigos de opinião em que defendia isso mesmo.
  • Entre aqueles que pedem a substituição da taxa por um sistema de subscrição voluntária estão muitos deputados do Partido Conservador, que está atualmente no poder. A 19 de novembro, o Governo britânico afastou qualquer mudança no sistema de financiamento até às próximas eleições (em 2015), mas deixou claro que a hipótese de subscrição será considerada no futuro.

O último episódio deste filme é uma troca de acusações entre o Partido Conservador (e também alguns órgãos de comunicação social) e a BBC. Na quarta-feira passada, o ministro das Finanças, George Osborne, fez um discurso no Parlamento (Autumn Statement) em que anunciou que o Reino Unido precisa de cortar despesas numa “escala colossal”. Duas peças jornalísticas da BBC (uma na rádio e outra no segundo canal de televisão) referiram-se ao discurso como um “livro de desgraças” e lembraram que “é preciso ir até à depressão dos anos 1930 para encontrar uma crise comparável a esta”.

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David Cameron não gostou do tom das peças e criticou-as, classificando-as de “exageradas”, “hiperbólicas” e “parciais”. Também o ministro das Finanças considerou a comparação entre a crise de hoje e a dos anos 1930 como “nonsense” e acusou a cobertura mediática do Autumn Statement de parcialidade e de impedir um “debate claro e equilibrado sobre as decisões que estão a ser tomadas e que precisam de ser tomadas no futuro”.

A crise entre Governo e BBC atingiu tal ponto que, esta sexta-feira, os deputados conservadores acusaram a empresa pública de querer (e de estarem a trabalhar para) que o Partido Trabalhista vença as próximas eleições. Tudo porque, dizem, a BBC teme que os Conservadores, a manterem-se no poder, vão introduzir alterações à taxa que irá prejudicar o futuro do serviço público de rádio e televisão.

No meio de toda esta guerra, o responsável da BBC para a televisão lembrou, quarta-feira, que a operadora é “uma grande empresa britânica e não um departamento governamental”.