Ninguém, na indústria de Hollywood, quis assinar uma petição promovida por George Clooney para que o filme da Sony Pictures “The Interview”, uma sátira em torno do ditador Kim Jong-Un, fosse exibido nos EUA. O lançamento da longa-metragem foi cancelado na sequência de um ataque informático de enormes proporções à Sony, bem como de uma ameaça a fazer lembrar o trágico 11 de setembro caso a película chegasse às salas de cinema. A carta redigida pelo ator norte-americano foi enviada a pesos pesados no setor cinematográfico, segundo relata Clooney numa entrevista ao site de notícias Deadline, mas a resposta (ou falta dela) deixou-o desiludido.

“Ninguém quis ser a primeira pessoa a assinar”, assegura, falando de uma indústria cinematográfica “assustada”. “Isto mostra bem a forma como vivemos atualmente, o quanto assustada está esta indústria”, explicou.

A entrevista assume um sentido cívico e traz para o debate social a questão de censura e do terrorismo: “A pirataria é terrível por causa dos danos que eles causaram a todas aquelas pessoas. Os seus registos médicos (…), os seus números de segurança social. Depois, ameaçar explodir e matar pessoas, e só por essa ameaça nós mudarmos o que fazemos para ganhar a vida, isso é a própria definição de terrorismo”.

A falta de iniciativa pode ter sido motivada pelo facto de outros estúdios e negócios na área do entretenimento terem receio de sofrerem um ataque semelhante, o qual pôs a descoberto, entre outras coisas, os números de segurança social dos trabalhadores daquela empresa. Essa é, pelo menos, uma das teorias que George Clooney especula sem hesitação.

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O ator, que também é ativista político e defensor dos direitos humanos, acha ainda que a Sony não cancelou o filme por medo, mas antes porque diferentes cadeias de cinema recusaram-se a exibir a longa-metragem com receio de se verem envolvidas numa eventual tragédia. Podemos, então, estar perante um novo paradigma ou realidade? George Clooney pensa que sim e diz que os “terroristas” conseguiram separar a Sony do resto da “manada” com recurso a uma estratégia “brilhante” que passou, numa primeira fase, pela humilhação pública para que ninguém ficasse do lado da empresa.

Apesar de considerar o filme uma comédia “tonta”, Clooney aponta também o dedo à imprensa — nem de propósito, o Guardian publicou um artigo esta quinta-feira a interrogar-se sobre a culpa dos media. “O que é importante? Qual é a história importante a cobrir?”. O artigo reflete sobre a cobertura jornalística do caso “The interview” em comparação com, por exemplo, os emails embaraçosos de Hollywood que começaram a circular. Num deles, a atriz Angelina Jolie foi fortemente criticada — “Ela é uma pirralha mimada com um talento mínimo”, escreveu o produtor Scott Rudin.

Recordemos: o filme “The Interview” (“Uma entrevista de loucos”, em português) está no centro da polémica devido ao argumento, no qual dois jornalistas — interpretados por Seth Rogen e James Franco — são recrutados pela CIA para assassinar Kim Jong-Un no decorrer de uma viagem de trabalho para entrevistar o líder daquele país. Assim que o trailer viu a luz do dia, Pyongyang prometeu uma “retaliação impiedosa” e avisou que a estreia do filme seria “um ato de guerra”. Apesar de a Coreia do Norte ter negado estar envolvida no ataque informático, o FBI já confirmou a participação do regime.

Uma das consequências do problema em causa prende-se agora com a distribuição cinematográfica. A CBC News escreve que a decisão de cancelar a exibição do filme já está a afetar a forma como Hollywood trabalha, além de estar a “matar” a fé dos artistas em relação aos estúdios e a sua capacidade em exibir filmes com argumentos mais ousados. Exemplo disso pode ser um comentário publicado na rede social Twitter pelo ator e comediante Steve Carell: “Um dia triste para a expressão criativa”. Também Lizz Winstead, criadora do programa televisivo The Daily Show, fala da “intimidação do processo criativo”.

Criatividade à parte, há quem questione o argumento do filme. A Time, por exemplo, escreve um artigo com uma mensagem clara: o filme pode ser divertido, mas tanto o regime como o homem que o lidera não têm nada de engraçado. A jornalista Emily Rauhala coloca ainda em causa o facto de a história descrita no enredo estar a subestimar a Coreia do Norte.

Apesar de a exibição ter sido cancelada (a estreia estava marcada para o dia 25 de dezembro), críticos de diferentes órgãos de comunicação tiveram oportunidade para ver o filme, o qual custou à Sony 44 milhões de dólares. As críticas dividem-se entre elogios e comentários depreciativos. O Wall Street Journal apelida o filme de um “míssil falhado”, ou mal orientado, e escreve que “Nunca ninguém pensou que ‘The Interview’ fosse uma grande arte, mas os seus pontos baixos são involuntariamente épicos”.

O New York Daily News, por seu turno, termina a crítica com a seguinte frase: “É pena que os maus ditadores e terroristas não pensem que eles [próprios] são engraçados, porque o ‘The Interview’ é”. Já a Time compara a película aos outros filmes com o cunho de Rogen — Um azar do caraças, Super baldas, Má vizinhança, Isto é o fim –, uma forma de dizer “mais do mesmo”. Há, no entanto, um ponto que parece ser consensual: a boa interpretação de Randall Park que faz de ditador.

No meio disto tudo, uma coisa é certa: o fruto proibido tende a ser o mais apetecido e o mesmo poderá ser dito em relação à longa-metragem protagonizada pela dupla Seth Rogen e James Franco.