“O PS tem feito propostas no sentido de uma enorme moderação” – e o programa eleitoral que está a ser preparado será “rigoroso”. Manuel Caldeira Cabral é um dos 11 economistas que António Costa convocou para lhe prepararem o ‘cimento’ das suas propostas nas legislativas – as perspetivas orçamentais para os próximos anos, que dirão ao líder do PS que margem há para que medidas.
Em entrevista a Maria João Avillez, Caldeira Cabral explica o que podem os socialistas fazer de diferente, se e quando chegarem ao Governo. A diferença principal? Centrar as políticas “numa estratégia de consolidação orçamental claríssima a médio prazo, mas que, no curto prazo, assuma que naquele ano “possa haver alguma pequena oscilação no défice”.
“É só ligeiramente diferente, nesse aspeto, mas é importante: pode evitar aumentos substanciais de desemprego e pode ter efeito na retoma do investimento”, diz o economista, professor na Universidade do Minho.
Uma outra diferença prende-se com a forma como os socialistas encaram a competitividade do país: pela antítese do que entendem ter sido a política da direita, de “desvalorização salarial”. Um exemplo, dado pelo próprio:
“É preciso olhar para outros fatores, como a inovação, por exemplo – que teve um corte de despesa muito superior à média. Mas para isso é preciso ter uma visão da competitividade não se faz só pelo corte dos salários. O que eu estou a dizer não é ‘Vamos gastar mais com as universidades ou com estes centros tecnológicos’. O que estou a dizer é ‘vamos dar dinheiro de forma a criar incentivos, a pô-los a trabalhar em conjunto e a produzirem melhores resultados. Isto é pôr o Estado a funcionar melhor. A ideia de que os países que se desenvolveram foi a cortar no Estado contrasta muito com a realidade.”
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Se o lema do PSD e CDS tem sido “menos Estado, melhor Estado”, Caldeira Cabral propõe outro para o PS — “Melhor Estado sem ser maior Estado”.
O atual Governo falhou muito na ideia de menos Estado – não diminuiu. Há uma coisa que se conseguiu: pior Estado. Várias neste momento clara evidência de que várias funções importantes do Estado estão a funcionar pior. “É muito importante olhar para as funções importantes do Estado, principalmente na economia para pôr a funcionar melhor. Pôr a Justiça a funcionar melhor não é obrigatoriamente gastar o dobro, pode passar por alguns gastos adicionais no curto prazo em coisas que melhorem a eficiência.” E vem outro exemplo:
“Em vez de andar a cortar nas universidades, se se der maiores incentivos a que trabalhem mais com as empresas e, com isso, consigam um melhor aproveitamento dos fundos comunitários”, tanto melhor.
A crítica vem de seguida: o Governo atual não conseguiu reduzir o Estado – e prejudicou o funcionamento de áreas centrais, como a Educação e Saúde.
A ajudar? Petróleo, euro e… os ventos da UE
Mas a margem é curta, assume o economista, que semana após semana se tem juntado ao grupo de apoio a Costa. E haverá muitas decisões difíceis para tomar. “Tem que se fazer um estudo sério e uma progressiva retirada sobretudo das medidas extraordinárias, mas isso tem que ser feito com conta, peso e medida, e em paralelo com outras questões” – como o nível da reposição dos salários da função pública. Todas essas medidas têm, “de ser ponderadas em conjunto e depois enquadradas em qual é o crescimento económico” estimado para a legislatura seguinte.
E que expectativas tem o PS sobre esse crescimento? Caldeira Cabral assinala os fatores que vê como positivos:
“A perspetiva de descida do petróleo pode dar condições favoráveis, a de desvalorização da moeda única também é bastante interessante. A perspetiva europeia de interpretação flexível do Tratado Orçamental pode dar uma margem – uma margenzinha”.
Será suficiente, essa margem, para uma inversão da estratégia do país? Não são margens muito grandes, “deve haver cuidado e contenção”, diz Caldeira Cabral, acentuando que não tem visto sinais em Costa de otimismo exagerado. “Não o ouvi fazer promessa de que vai aumentar aqui, fazer ali. Ninguém no PS tem feito isso”. Mas essa abordagem é a que, acredita, “está mais no que é o quadro da União Europeia hoje em dia”. E mesmo sendo marginal, essa “margem pode fazer muita diferença”.
Agora, no PS, é tempo de preparar “documentos”, para trabalho interno. O deadline é a última semana de maio, para quando Costa pré-agendou a conferência onde apresentará o seu programa.
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Até lá, muita coisa pode mudar. Começando este domingo, com as eleições na Grécia. Caldeira Cabral tem expectativas moderadas quando ao desfecho:
“O Syriza é um partido muito radical em termos de discurso. Na prática vai ter que mudar algumas coisas. Frequentemente o que acontece é alguma coisa no meio das duas”: entre o ‘muda tudo’ e o ‘não muda nada’. Também é falsa a ideia de que se ganhar o Syriza não muda nada, como já se vê pela reação das instituições europeias – a acomodarem a ideia de que fazer uma conferência sobre a dívida passou a ser aceitável.”
Mas acredita o economista que já há uma inversão do rumo europeu? “Pelo menos declarações mais soft”. Mas também pelo plano de investimento anunciado pela Comissão e pela atuação do BCE. Depois da Grécia, as instituições europeias “vão acomodar em parte o Syriza, trazer o Syriza para posições mais moderadas”. Uma vitória deste partido “vai dizer aos países europeus de que uma linha dura pode gerar posições radicais”. E outras podem seguir-se, insiste, desde logo em Espanha e no Reino Unido, “onde o risco de saída da UE é muito grande” se houver referendo.
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Do lado contrário, a evolução também será notada, espera o economista: a eleição na Grécia “também pode demonstrar que estas propostas quando chegam ao poder têm que ter uma base muito mais realista” – o que “pode trazer algum desalento”.
Mas a Europa já tirou lições a crise, conclui Caldeira Cabral. “A consolidação devia ter sido feita com uma política moderadamente expansionista nos países que tinham margem. A austeridade toda ao mesmo tempo em todos os países deu resultados muito moderados. A Grécia em 2010 estava com um problema e a UE, com a ideia do risco moral, disse na altura que era para punir severamente a Grécia. A solução que se impôs foi de um acerto de contas muito violento, que atirou a economia para uma enorme recessão – não deixando que as contas ajustarem-se”.
A Grécia não tinha de fazer um ajustamento? “Sim, não está em causa”. Mas “tinha de ter havido um perdão imediato ou, pelo menos, um parquear da dívida e uma intervenção que, hoje, o BCE está disposto a fazer – mas na altura não estava”.
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A entrevista completa de Manuel Caldeira Cabral ao Observador fica aqui — se quiser ver os detalhes.