Caiu como uma bomba a decisão do BCE de antecipar a exclusão da dívida grega como ativo elegível para garantia. Sobretudo numa altura em que, no jogo político que está a desenrolar-se na zona euro, os responsáveis estavam a dar sinais de quererem aproximar-se, tornando o ar mais respirável do que na semana anterior a primeira do Governo Tsipras-Varoufakis na Grécia. Os mercados abriram em baixa esta quinta-feira, esfumando-se boa parte da recuperação registada nos dias anteriores. Os analistas relativizam o impacto da decisão, que já tinha sido sinalizada por Constâncio, salientando que esta não gera um risco de liquidez no imediato mas que tem consequências políticas importantes. Consequências que, contudo, até podem ser positivas, admitem alguns analistas.

O waiver (regime de exceção) para a dívida grega, que permitia a sua utilização normal apesar do rating de lixo, iria expirar no final do mês de fevereiro, mas porque “não é possível esperar-se nesta altura que a revisão do programa seja concluída com sucesso”, o BCE decidiu antecipar essa decisão. Se esta não surpreendeu pelo conteúdo, surpreendeu pelo timing, já que foi anunciada na noite após a reunião do ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, com o presidente do BCE, Mario Draghi. Alguns analistas comentaram que Mario Draghi, que acaba de vencer enorme resistência interna para anunciar o inédito plano de compra de dívida pública, não terá gostado de ouvir Yanis Varoufakis dizer, após o encontro, que “o BCE é o banco central da zona euro e fará o que for necessário” para apoiar Estados-membros como a Grécia.

“Quaisquer esperanças de que o novo Governo grego poderia contar com o BCE para ganhar mais algum tempo [para negociar com os parceiros europeus] foram anuladas”, diz Christian Schulz, do Berenberg Bank. No entanto, a decisão não afeta a situação de liquidez dos bancos no imediato, explica especialista. Isto porque os bancos gregos, que já têm reduzido nos últimos anos a quantidade de dívida grega usada como colateral, podem continuar a usar outros ativos (com rating de qualidade) para obter liquidez junto do BCE. Se não for suficiente, como não deverá ser, os bancos também têm acesso à plataforma de emergência do BCE, a ELA (Emergency Liquidity Assistance), em que “em vez do BCE, é o Banco da Grécia e, portanto, o contribuinte grego que assume o risco e passa a ser o credor de último recurso para os bancos gregos”, explica Christian Schulz.

Já Frederik Ducrozet, economista do Crédit Agricole, diz que “o maior risco desta decisão é que possa intensificar a fuga de depósitos, algo que os bancos podem não conseguir compensar com financiamento externo ou com a ELA”. Esta decisão é, na opinião do economista, “uma decisão arriscada, mas um risco calculado“, que irá pressionar o Governo grego e os responsáveis políticos da zona euro a chegar a um acordo nas próximas semanas”.

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Liquidez mais cara. E que pode perder-se a qualquer momento

Contudo, há dois problemas práticos com esta situação. É que a autorização para o recurso à ELA junto do banco central nacional, que foi alargada pelo BCE até 18 de fevereiro, pode ser removida pelo BCE, a qualquer momento, desde que haja uma maioria de dois terços no Conselho de Governadores. A renovação da ELA é avaliada a cada duas semanas. Além disso, esta liquidez é um pouco mais cara do que os 0,05% que são, neste momento, a taxa de juro diretora nas operações normais do BCE. Em novembro, Yannis Stournaras, o governador do banco central, disse que a ELA tem uma taxa de juro de 1,55%.

Além das questões práticas, a decisão do BCE está a ser vista como um “sinal político forte, que é um grande golpe para a posição negocial da Grécia“, diz Christian Schulz, do Berenberg Bank. Mas os analistas do banco holandês Rabobank dizem que “embora possa parecer paradoxal, o facto de o BCE estar a subir a parada pode ser um fator positivo, a prazo”, para a resolução da crise grega. Porquê? “Porque aumenta as probabilidades de que seja obtido um compromisso antes do final do atual programa de ajustamento [28 de fevereiro]”.

Os especialistas dizem que, apesar dos riscos, “continuamos a ter uma visão de copo meio cheio deste impasse em torno da Grécia, e acreditamos que só com endurecimentos das posições como este será possível chegar a uma solução”. Além disso, uma decisão como esta ajuda a mostrar que “os riscos de não chegar a compromissos são demasiado elevados para que se possa considerar um final infeliz como o cenário mais provável”.

Silvia Merler, economista do think tank Bruegel, diz que os riscos de liquidez “são geríveis, mas as consequências políticas podem ser menos“. “Se o BCE tivesse deixado os políticos discutir primeiro, e se o Eurogrupo concluísse que a Grécia já não reunia condições para estar sob programa, então as condições necessárias para o regime de exceção (waiver) deixariam de existir”. Esta é, portanto, uma “ação preventiva por parte do BCE, que protege formalmente a independência do banco central, mas também reforça o jogo político que vai jogar-se na próxima semana”. Deverá haver uma reunião do Eurogrupo a dia 11, na véspera do Conselho Europeu de dia 12.