Os efeitos do colapso do Banco Espírito Santo (BES) fazem-se sentir até do outro lado do mundo, mais concretamente na Nova Zelândia. O fundo de pensões público do país foi um dos investidores que a Goldman Sachs captou para o empréstimo de 835 milhões de dólares (734 milhões de euros), concedido ao banco português poucas semanas antes da queda do BES.

Segundo o New Zealand Herald, o Superannuation Fund reconheceu já uma perda de 198 milhões de dólares neozelandeses (o equivalente a 131 milhões de euros). Este prejuízo representa apenas 0,7% dos ativos totais do fundo que tem como objetivo financiar uma parte das responsabilidades com futuras pensões de velhice. Conhecido como o Super Fund, este fundo tem um património de 27 mil milhões de dólares.

No dia em que saiu a notícia, o fundo divulgou quatro notas explicativas no seu site sobre o investimento no BES, incluindo um comunicado em português em que confirma a intenção de processar o Banco de Portugal em conjunto com outros investidores que aplicaram recursos no veículo criado pela Goldman Sachs. Nesta nota, o presidente executivo Adrian Orr qualifica como “muito desapontante” a decisão do Banco de Portugal, dadas as garantias por escrito dadas anteriormente. E sobe o tom das críticas e pressão já anteriormente produzidas pelo banco americano. Não há para já indicação de quem são os outros clientes da Goldman Sachs lesados no BES.

Sublinhando que o Novo Banco “continua a beneficiar do dinheiro que emprestámos”, o fundo neozelandês diz que a posição do supervisor português “constitui motivo de grande preocupação para qualquer investidor”, em particular os investidores em bancos portugueses. Considerando que ainda que esta decisão coloca em risco as atividade de provisionamento de liquidez face a Portugal, dada a desconfiança gerada face aos mecanismos de proteção de crédito. Apesar de reconhecer que o problema não será rapidamente resolvido, o presidente do fundo considera ter “uma posição jurídica muito forte e um elevado nível de confiança no sucesso deste caso.

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O tema está a gerar polémica na política neozelandesa. O ministro das Finanças, Billl English, recusa comentar esta perda, mas o líder do partido ecologista (Green Party) defende o governante deve dar respostas. “Têm de dar algum tipo de explicação sobre a forma como jogaram 150 milhões de dólares nesta operação e como ficaram enrolados” neste prejuízo, realça Russel Norman em declarações ao jornal da Nova Zelândia. Este episódio, acrescenta, ilustra precisamente os investimentos de alto risco que o fundo deveria evitar uma vez que investe em nome dos contribuintes neozelandeses.

Mudança “pouco comum” das regras portuguesas trama fundo

O presidente executivo assinalou ao New Zealand Herald que que o investimento estava seguro do risco de incumprimento do BES, mas que uma mudança retroativa que descreve como “pouco comum” das regras em Portugal retirou a proteção ao empréstimo. Apesar da intenção da Goldman Sachs de contestar judicialmente esta deliberação do Banco de Portugal, o fundo neozelandês decidiu reconhecer já nas contas a totalidade da perda, por uma questão de prudência, e travou todos os financiamentos à banca portuguesa. .

Os prejuízos do fundo de pensões da Nova Zelândia surgem na sequência das aplicações feitas na Oak Finance, um veículo criado pela Goldman Sachs em nome de vários clientes, mas que terá também investimento do banco americano. O empréstimo montado pelo banco americano foi transferido no final do ano passado por decisão do Banco de Portugal para o BES, onde ficaram os ativos maus, deixando de constar do balanço do Novo Banco, o que garantia o seu reembolso.

A posição do supervisor português é fundamentada pelo facto de a Goldman Sachs ter, à data da intervenção no Banco Espírito Santo, mais de 2% do capital. As regras da resolução bancária determinam que os investidores qualificados sejam penalizados. O banco americano contesta esta interpretação, argumentando que uma parte das ações que detém do BES resultou de ordens de compra de clientes.

O Banco de Portugal confirmou esta semana a decisão de manter o empréstimo da Oak Finance no banco mau, depois de uma reclamação apresentada pela Goldman Sachs. Com esta posição, será muito mais difícil ao banco americano e aos seus clientes recuperarem os 734 milhões de euros emprestados ao BES de Ricardo Salgado.

De acordo com o Wall Street Journal, o primeiro reembolso desta operação, no valor de 59,2 milhões de dólares, deveria ter sido realizado em dezembro de 2014. Mas o presidente do BES, Máximo dos Santos, já reconheceu que os ativos que ficaram deste lado são claramente insuficientes para reembolsar todas as obrigações para com os devedores.

Financiamento a uma refinaria na Venezuela

Na origem do empréstimo organizado pela Goldman Sachs ao Banco Espírito Santo está um financiamento à construção de uma refinaria na Venezuela, um negócio que terá contado com o apoio do conselheiro português do banco americano, José Luís Arnaut. O BES de Ricardo Salgado seria o parceiro local (na Venezuela) do banco de investimento americano na operação contratada com a Petróleos da Venezuela e com uma empresa chinesa envolvida num caso de corrupção. A PDVSA era a maior cliente do BES e tinha prometido investir 700 milhões de euros na holding não financeira do Grupo Espírito Santo (GES). Nenhuma destas operações se concretizou.