Como é que um empréstimo da Goldman Sachs ao BES com destino à Venezuela tramou o banco norte-americano que está em risco de perder 835 milhões de dólares (721,4 milhões de euros)? A história é desenvolvida esta segunda-feira no Wall Street Journal onde é apontado o envolvimento de dois portugueses: José Luís Arnaut e António Esteves, colaboradores da Goldman Sachs, na operação.
Este empréstimo foi transferido por instrução do Banco de Portugal, anunciada no final de 2014, para o banco mau (o BES), o que reduz fortemente as hipóteses de vir a ser reembolsado. Esta decisão está a ser contestada pelo banco americano que tem fundos seus e de vários clientes comprometidos nesta operação.
O jornal descreve os bastidores da concessão do empréstimo de 835 milhões de dólares, acordado na primavera passada, ao Banco Espírito Santo e que tinha como destino final um financiamento prometido pelo banco português à Petróleos da Venezuela para a construção de uma refinaria.
De acordo com o Wall Street Journal, o BES estava à procura de um parceiro financeiro para este projeto, quando José Luís Arnaut terá entrado em contacto com o então presidente executivo, Ricardo Salgado. Arnaut, descrito como ex-ministro e membro do conselho consultivo internacional da Goldman, terá oferecido o apoio do banco americano para levantar o dinheiro, escreve o WSJ que cita fonte não identificada. Um conselheiro não pode angariar diretamente negócios, mas tem como missão acompanhar oportunidades nos mercados que estão sob o seu raio de ação.
Também o partner da Goldman em Londres, António Esteves, terá ajudado a equipa do banco a criar “uma estrutura complexa” para obter o financiamento. Foi assim criada a Oak Finance Louxembourg, um veículo que levantou junto do banco americano e de outros investidores 835 milhões de euros cujo destino final deveria ser o projeto de uma refinaria na Venezuela.
BES ia ajudar a Goldman a fazer negócios na Venezuela
Por esta altura, já o Grupo Espírito Santo (GES), maior acionista do BES, enfrentava crescentes dificuldades para refinanciar a dívida da área não financeira. Aliás, a Petróleos da Venezuela, descrita como um dos principais clientes do BES, era uma peça chave na reestruturação financeira do GES na medida que se tinha comprometido a participar no aumento de capital da holding Rioforte.
Segundo o jornal americano, a Goldman estaria interessada em expandir as suas relações de negócios com o governo venezuelano, daí a estratégia de aproximação ao BES e a Ricardo Salgado. Esta operação já foi referida na comissão parlamentar de inquérito ao BES e ao GES. O ex-administrador, António Souto, afirmou que o banco português interveio no financiamento porque a Goldman Sachs não queria aparecer diretamente associada ao regime da Venezuela. O BES seria a cara do empréstimo à refinaria, e à empresa chinesa que a iria construir, mas quem assegurava a liquidez (o dinheiro) era o banco americano.
Apesar dos problemas do GES, e do contágio ao BES, que anunciou um aumento de capital em maio, o banco americano manteve o seu entusiasmo, tendo adquirido ações do banco português onde chegou a ter mais de 2%. O financiamento de 835 milhões de dólares foi concretizado a 3 de julho, numa altura em que o BES já estava sob forte pressão dos mercados e dos clientes.
O Wall Street Journal recorda declarações proferidas no final de junho por José Luís Arnaut, na Antena 1. O ex-ministro e advogado garantia que o BES era um banco profundamente estável e que Salgado, que tinha anunciado a demissão dias antes, deixava um banco robusto com capital e credibilidade.
Para além de António Esteves, que o Wall Street Journal diz que é conhecido no banco como the salesman (o vendedor), terão tido ainda conhecimento desta operação de grande dimensão, Michael Sherwood e Richard Gnodde, co-responsáveis da divisão de Londres da Goldman Sachs. Segundo o jornal, a operação foi aprovada em pelo menos três comités seniores do banco, a quem compete avaliar o risco de crédito e reputacional. António Esteves e José Luís Arnaut não responderam às questões do jornal.
As duas últimas semanas de julho foram infernais para o BES que foi alvo de uma resolução a 3 de agosto. A Goldman terá então obtido do Banco de Portugal a indicação de que o financiamento concedido através da Oak Finance seria transferido para o Novo Banco, que ficou com os ativos saudáveis do BES. A decisão, anunciada na véspera de Natal, de transferir este passivo para o BES, libertando o Novo Banco do encargo, foi um choque para a Goldman Sachs.
O Banco de Portugal invocou a condição de acionista qualificado da Goldman, com mais de 2% do BES, para sustentar esta decisão que está ainda apoiada na legislação portuguesa aprovada em agosto para enquadrar a resolução. O banco americano contrapõe que a sua posição no BES correspondia a investimento de clientes, incluindo fundos de pensões.