Morreu esta segunda-feira o poeta Herberto Helder, confirmou uma fonte da editora ao Observador. A notícia foi inicialmente avançada pelo jornal Público, sem adiantar contudo mais pormenores.
A Porto Editora emitiu ao fim da manhã desta terça-feira um comunicado onde confirma a morte de Herberto Helder, a quem se refere como “poeta maior que ficará entre a meia dúzia de nomes incontornáveis da poesia portuguesa do século XX”.
Em declarações à Lusa, José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE), considerou-o criador “da obra mais fulgurante em Portugal desde a edição do seu primeiro livro”. À agência noticiosa, José Manuel Mendes disse ainda estar muito abalado com a morte do poeta, que sentiu “como um tiro na nuca”.
“Essa morte que eu senti como um tiro na nuca, dói. Não apaga a voz. Diante da morte, resta o silêncio e gostaria de recolher-me nesse silêncio, recuperando, de memória, os textos que eu seria capaz de reproduzir um a um”, comentou o presidente da APE.
Também o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, escreveu numa nota enviada às redações que “Herberto Helder deu novas línguas à língua portuguesa” e que “é uma referência maior para a cultura portuguesa e para o seu lugar no mundo e o seu contributo para a construção do Portugal contemporâneo”.
“Poucos foram os que durante os últimos cem anos tanto fizeram pela construção da língua portuguesa e tão influentes foram na organização da linguagem poética contemporânea”, escreve Barreto Xavier na nota.
Nascido na Madeira, o escritor tinha 84 anos e era considerado um dos maiores autores vivos da literatura portuguesa. Era também uma figura reservada e discreta, raramente aparecendo em público. Não dava entrevistas há mais de 30 anos.
Em 1994, Herberto Helder foi o escolhido para receber o Prémio Pessoa, mas o poeta recusou. António Alçada Baptista descreve como tentou convencer Helder a aceitar o galardão. “Vocês não digam a ninguém e deem o prémio a outro…”, terá dito o escritor, perante a insistência de Baptista e Clara Ferreira Alves, que o visitavam.
“Eu queria transmitir bem que não havia aqui nenhuma arrogância: a sua recusa não era contra ninguém. Era uma decisão do seu eu mais íntimo, que logo nos mereceu o maior respeito. Eu só lhe disse: – Eu já gostava de ti e vi agora que é possível ainda gostar mais…”, escreve Alçada Baptista.
Assumidamente recatado, a fama de Herberto Helder chegou-lhe, em grande parte, através do livro que publicou em 1963, Os Passos em Volta, uma espécie de contos em “prosa de diamante, clara e dura, eterna”, opinava Clara Ferreira Alves no Expresso em dezembro de 1994, pouco depois de o poeta ter recusado o Pessoa e os sete mil contos que com ele vinham.
“Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela violência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa. Os comboios passariam sempre”, lê-se em Os Passos em Volta.
“Os Passos em Volta são a minha primeira tentativa para superar a dicotomia prosa-poesia”, diria mais tarde numa entrevista ao Jornal de Letras, de 1964.
“Achei então que o poema, como eu o vinha praticando, não possuía a elasticidade, o ritmo, o clima verbal, capazes de abrange, adequadamente o tecido temático e circunstancial que eu pretendia explorar. Aquele livro permitiu-me tal experiência, tendo sido ele, afinal, um passo decisivo para a abolição dos preconceitos que vinham limitando o meu trabalho.”
Em 2007, foi proposto pelo Pen Clube de Portugal como candidato ao Prémio Nobel da Literatura.
Os passos de uma vida
Herberto Helder nasceu a 23 de novembro de 1930 no Funchal, na ilha da Madeira. Em 1946 mudou-se para Lisboa, onde frequentou o sexto e o sétimo ano do curso liceal. Frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra e o curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras da mesma cidade, não terminando nenhum dos cursos.
Publicou o primeiro livro, O Amor em Visita, em 1958, numa altura em que frequentava o círculo modernista do Café Gelo, ao Rossio, em Lisboa, do qual também faziam parte nomes como Luiz Pacheco, Mário Cesariny, João Vieira, Hélder Macedo, entre outros.
Viveu em França, na Holanda e na Bélgica, onde exerceu profissões pobres e marginais. Em Antuérpia, chegou mesmo a viver na clandestinidade, trabalhando como guia de marinheiros no mundo da prostituição. Nos anos 60, tornou-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, viajando por aldeias de todo o país.
Em 1965, enquanto trabalhava como redator do noticiário internacional da Emissora Nacional, em Lisboa, publicou Húmus, Retrato em Movimento e Ofício Cantante. Foi despedido três anos depois por se ter envolvido na publicação do livro Filosofia na Alcova de Marquês de Sade. A polémica foi tanta que chegou mesmo a ser alvo de um processo judicial, do qual conseguiu, contudo, obter suspensão de pena.
Dedicou-se à publicidade e, em 1969, foi diretor literário da editorial Estampa. No mesmo ano, publicou os livros Apresentação do Rosto, uma autobiografia, que foi apreendido pela censura, O Bebedor Nocturno, Kodak e Cinco Canções Lacunares. Nos anos seguintes, viajou pela Bélgica, Holanda e Dinamarca e, em 1971 partiu para África, onde fez uma série de reportagens para a revista Notícias.
De África seguiu para os Estados Unidos da América onde, em 1973, publicou Poesia Toda, que reunia toda a sua produção poética até então. A Portugal só voltou em 1975, depois do 25 de abril. Trabalhou na rádio e em revistas, nomeadamente na Nova, da qual foi editor. Nos anos seguintes publicou Cobra, O Corpo, o Luxo, a Obra e Photomaton & Vox. Depois, seguiu-se o silêncio.
E foi referindo-se a esse silêncio que, em 1977, escreveu a Eduardo Prado Coelho dizendo “o que é citável de um livro, de um autor? Decerto a sua morte pode ser citável. E, sobretudo, o seu silêncio”.
O último livro do poeta foi A morte sem mestre, publicado em maio de 2014, numa edição limitada, à semelhança das últimas publicações que fizera. Esse vinha acompanhado de um CD em que declamava cinco dos poemas.
https://www.youtube.com/watch?v=tnTHU1eP3UQ
Não era a primeira vez que Helder declamava alguns dos seus poemas. No YouTube estão disponíveis diversos vídeos em que se pode ouvir o escritor: