Os bilhetes para o primeiro dia da nona edição do NOS Alive estavam esgotados há semanas. Ontem passaram pelo Passeio Marítimo de Algés 55 mil pessoas, uma enchente distribuída por 56 nacionalidades — o festival aparece em todas as listas dos melhores da Europa. Depois de Espanha e Reino Unido, este ano recebe muita gente de França, provavelmente a reboque da parceria com a conhecida publicação Les InRocKuptibles, mas também gente de outras latitudes. Só australianos, são mais de uma centena.

Antevia-se por isso uma mole humana incapaz de se mexer, mas algumas alterações (subtis) na gestão do espaço tornaram a circulação surpreendentemente fluida. O Alive cresce, e aprende. Ainda assim, as filas eram intermináveis mas o público foi paciente e ordeiro, uma multidão de chapéus brancos que começou a compor o recinto logo a meio da tarde. Mas antes, o dia começou com uma má notícia: Jessie Ware cancelou a atuação, ao que parece por “conflitos de agenda”.

Era um nome muito esperado, mas não abalou a festa. Às 18h00 os The Wombats abriram o palco principal e a expressão revelou-se adequada: rock sempre a abrir, muito (demais) amplificado pelo poderoso sistema de som. O vocalista Matthew Murphy manteve a voz firme, foram um bom arranque.

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Numa rápida passagem pelo Raw Coreto, os Light Gun Fire animavam algumas dúzias de pessoas. Interessante aquele palco por onde passam bandas emergentes ou pouco conhecidas, ganham eles e o público, pela proximidade. Música nova de novos artistas e à sombra.

Às 18h50 os Young Fathers alavancam o palco Heineken de hip hop made in Scotland. O trio de Edimburgo é quase tribal, na música e na atitude. A plateia, mais curiosa que conhecedora, deixou-se contagiar, é uma energia que passa de uns para os outros, música agressiva que não aleija mas deixa marca, daquela forte que faz com que quem gosta não os queira perder de vista. É uma das virtudes dos festivais de música.

À medida que cai o Sol o vento acelera. No palco NOS Clubbing (o do meio), mais um daqueles momentos de descoberta, que faz parar os festivaleiros em trânsito: da BBC para o Alive, Benji B. A DJ atira com eletrónica pesada, diverte-se a tirar fotos ao (pouco) público com uma máquina de plástico azul e faz do set uma festa para toda a gente, é assim que deve ser.

Logo a seguir, às 19h10, o britânico James Bay começou a encantar a plateia principal. Com quatro EPs e um álbum editado este ano (“Chaos and the Calm”), foi o suficiente para segurar muita gente, mas não mais nos pareceu que um menino bonito, chato e previsível. Na voz, no estilo e na música. Adiante.

Às 20h00 os Capitão Fausto subiram ao palco Heineken, eles mesmo uma alternativa, chamados à última hora para substituir Jessie Ware. Competentes, foram prejudicados por um som distorcido e pouco cuidado — talvez pela pressa da afinação — mas quem ali esteve não saiu desiludido.

40 minutos mais tarde, com o sol a cair e o vento a subir, Ben Harper entrou no palco grande, acompanhado por cinco músicos experientes (os The Innocent Criminals) que encheram as medidas de várias gerações, miúdos e graúdos com o blues rock no corpo e as letras na ponta da língua, em especial os clássicos. A música do costume, bem ensaiada pelos anos. Nada de novo, mas também não se esperava mais, as zonas de conforto são uma necessidade e uma aposta ganha.

Às 21h25 os britânicos Metronomy entram em cena e rapidamente acertam o compasso com a música e com o público. A tenda Heineken estava cheia para os receber, espuma a verter para fora. Eram cinco elementos em palco e a única mulher estava sentada na bateria, até nisso espalharam charme. E Anna Prior divide as baquetas com o microfone, não é para todos. Os Metronomy foram empenhados e por isso também, fizeram daquele um dos momentos verdadeiramente assinaláveis do primeiro dia.

Não se dançou apenas “The Look” e outros singles, todo o repertório fez mexer. Melodicamente irrepreensíveis (como em “I’m Aquarius”), brincalhões mas certíssimos (como em “Reservoir”). E como de costume apareceram vestidos de igual: foi noite de calças brancas e azul escuro da cintura para cima.

Uma hora mais tarde foi a vez dos alt-J, outra banda inglesa e mais um regresso ao NOS Alive (onde estiveram em 2013). Foram um clarão de luz milimétrico. Os quatro elementos, geometricamente alinhados, desfilaram matéria conhecida. São uma máquina (alternativa) de fazer singles, arrancaram em força mas foram abrandando. Desafinaram, o público perdoou, quem conhece diz que uma banda daquelas funciona melhor em sala. Do meio para trás toda a gente trazia vestida a camisola dos Muse, mas os alt-J mereceram o palco principal.

À medida que foram baixando o ritmo, alguns (muitos) migraram para o palco Clubbing, onde atuava o canadiano Tiga. A tenda pequena estava à pinha e com toda a gente a dançar. Uma festa de computador e jogos de luz, não foi preciso mais, música de dança é isso mesmo. A dada altura, “entram” em palco três manequins (de plástico) negros, figuras femininas, cada qual com um pé de microfone, a “fazer as vozes” que se ouviam no som (limpo) do NOS Clubbing. O artista gracejou com um “são portuguesas”. E pouco mais disse, além de cantar (força de expressão).

No palco Heineken, à mesma hora (23h10) atuava o projeto Cavaliers of Fun. Com Miguel Nicolau (o senhor Memória de Peixe) na guitarra, Ricardo Coelho (vocalista e mentor) irradiou ganas de eletro pop, gritou e saltou durante os longos percursos instrumentais. Banda e música com sotaque estrangeiro mas made in Portugal, capaz de bater aos pontos muitos nomes sonantes de outras latitudes. Mereciam mais público.

Passavam dez minutos da meia-noite quando todos os palcos se calaram. Honras da casa para a banda de Devon (Reino Unido), 20 anos de carreira são para receber com respeito. Não era novidade, os Muse foram os grandes responsáveis (se não os únicos) pelo primeiro dia esgotado, há fenómenos assim, que não se estranham. Foram 50 mil pessoas, um mar de gente, viradas para o palco NOS, a noite era deles.

Começaram com temas do último “Drones”, o álbum que fez muitos voltarem a acreditar neles. O rock continua a fazer estremecer, foi um espetáculo em cheio, de luz e som. Como não podia deixar de ser, não se esqueceram dos clássicos e mostraram que mantêm o ritmo e a vitalidade, duas décadas depois. Fazem o que sempre fizeram, e são bons nisso. Quem gosta gosta mesmo, foi isso que justificou a escolha para o cartaz e a enchente que esgotou o primeiro dia do NOS Alive 2015.

Último nome alinhado para o palco principal, passaram da 1h30 da madrugada, a hora marcada na agenda para os portugueses X-Wife assinalarem o regresso ao palco, três anos depois. E aos discos, há música nova a caminho. Pouco público no Clubbing mas fiel, pronto para ouvir o “novo” e saltar com o “velho”. Os X-Wife não perderam a forma, pelo contrário.

Antes da debandada geral (sexta-feira é dia de trabalho) já muitos tinham passado, indiferentes e determinados, a caminho do palco Heineken que se foi enchendo para ver e ouvir os britânicos Django Django. O indie-eletro-rock do quarteto é polido e ao vivo cativa com grande facilidade, é muito difícil manter o corpo quieto. Foram simpáticos e encheram a tenda com formas e luzes, música bem escolhida para a reta final da noite, ventosa e fresca.

Este primeiro dia não foi, musicalmente falando, o mais interessante. O alinhamento desta sexta e sábado prometem manter o NOS Alive em linha, com surpresas e confirmações (e outras zonas de conforto). Com a ida do Sol, viu-se muita gente com frio. Esta sexta-feira repete-se a previsão meteorológica, por isso leve um agasalho. E evite transportar consigo perfumes ou caixas de plástico com comida, pois será convidado a deixa-los no bengaleiro, o que só faz aumentar as filas e perder tempo. É um martírio fácil de evitar. Durante o dia andámos pelo Twitter e mais logo voltamos à carga.