Este texto foi originalmente publicado no dia 14 de julho de 2015. Republicamos esta sexta-feira, no dia em que governo, clientes lesados do BES/GES, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e Banco de Portugal, reúnem para analisar soluções.

São mais de dois mil e investiram entre 100 mil euros e mais de um milhão de euros aos balcões do antigo Banco Espírito Santo (BES). Entram quase todos os dias pela nossa casa através da televisão que tem dado voz e rosto aos seus protestos. Entre eles há administradores, advogados, médicos, engenheiros mas também domésticas, cabeleireiras, porteiros e comerciantes. Cerca de 27% do valor aplicado representa poupanças de reformados, mais de 8% são aplicações de desempregados.

Chamam-se lesados do BES, embora na prática tenham investido em papel comercial das empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo (GES). Só que o fizeram aos balcões do Banco Espírito Santo, com garantias do banco, que foram reforçadas pelo Banco de Portugal.

São as vítimas mais sonoras do colapso do BES. Ainda não receberam o capital investido que há um ano estava “garantido” por uma provisão que foi mandada constituir pelo regulador para os proteger, uma vez que eram clientes de retalho, não qualificados, ao contrário da supostamente qualificada Portugal Telecom e outros investidores institucionais.

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Quem são estes clientes?

A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), entidade a quem compete a defesa dos investidores, em especial de retalho, fez um retrato estatístico, a partir de dados do Novo Banco, mas também das centenas de reclamações que lhe chegaram. Os dados foram entregues esta semana no Parlamento.

São 2084 clientes que investiram em papel comercial da Rioforte e da Espírito Santo Internacional (ESI), as duas holdings do GES que estão insolventes, aos balcões do BES, mas também do BES Açores e do BEST.

Estas duas instituições do grupo, o BES Açores e o BEST, comercializaram mais de 60 milhões de papel comercial, já depois da proibição dada pelo Banco de Portugal a partir de 14 de fevereiro de 2014. Aparentemente, a ordem dada ao BES não chegou aos outros bancos.

A maioria as aplicações foi feita entre outubro de 2013 e fevereiro de 2014, ou seja, quando o GES teve de encontrar alternativas aos fundos de investimento, também vendidos junto de clientes do banco, que antes financiavam as empresas não financeiras.

Mais de metade dos subscritores, 54.7%, aplicou 100 mil euros, o limite mínimo permitido, mas quase 24% investiram entre 100 a 200 mil euros. Houve 103 subscrições acima dos 500 mil euros e 32 clientes que terão aplicado um milhão de euros ou mais. Mas estes montantes podem ser iludir no que diz respeito à capacidade financeira e ao impacto nos investidores.

Carlos Tavares contou aos deputados um caso que o impressionou de um investidor que aplicou mais de um milhão de euros. O homem com mais de 70 anos investiu todos os ganhos do negócio de uma vida em papel comercial do BES. Agora estava confrontado com a necessidade de vender a casa onde viveu toda a vida com a mulher.

A CMVM também avaliou o peso relativo destes investimentos no património que estes clientes tinham no BES. Em quase 10% dos casos, 90% dos recursos foram aplicados no papel comercial da Rioforte e da ESI. Em 37% das operações, o investimento em papel concentra mais de metade do património financeiro do cliente no banco.

Mais reveladora é a lista das profissões dos investidores em papel comercial que aplicaram, pelo menos 100 mil euros (que era o valor mínimo). Os reformados lideram em número, são 575 e aplicaram 116 milhões de euros, o que bate certo com a indicação de que mais de 40% destes clientes tem 65 ou mais. Destes, quase 16% tem mais de 75 anos.

A lista tem 36o diretores, dirigentes e gerentes, que investiram 77,2 milhões de euros, e que são a categoria profissional mais representada. Há ainda mais de 80 administradores e diretores-gerais que apostaram 21,8 milhões de euros. Os médicos, quase 70, investiram quase 10 milhões de euros. Os 96 engenheiros colocaram mais de 14 milhões de euros.

Na lista, há também cerca de 190 desempregados com aplicações de 35 milhões de euros e não faltam treinadores (alguns já o assumiram publicamente), contabilistas, economistas e advogados. Mas há também profissões menos esperadas, porque normalmente associadas a rendimentos mais baixos, embora com menos investidores e valores mais baixos: cabeleireiras e esteticista, enfermeiras, estudantes, porteiro e pessoal de limpeza, condutores, empregados administrativos, trabalhadores de atividades manuais ou mecânicas e indústria transformadora. No rol, encontramos ainda militares, magistrados, académicos e cientistas e até um padre

Na distribuição geográfica dos 432 milhões de euros aplicados, e que estão por reembolsar, Lisboa lidera com 133 milhões de euros, seguida do Porto. Aveiro e Braga são os distritos que têm exposição acima dos 30 milhões de euros.

Quase um terço destes investidores, 30%, tinha formação superior (bacharelato ou licenciatura), que é o nível de qualificação mais representado.

Entre as mais de 600 reclamações que chegaram à CMVM e que foram consideradas nesta análise, 63% dos queixosos afirmam ter havido uma intervenção ativa do gerente e gestor de conta na proposta de subscrição do papel comercial.

Da avaliação do perfil de risco destes investidores, o maior montante de papel comercial foi aplicado por clientes com perfil moderado (embora esta classificação seja já do Novo Banco). Cerca de 37% dos investidores tinham perfil conservador, ou seja, não adequado a aplicações de risco. No papel comercial, o maior risco é o de incumprimento da entidade emissora, o que veio a verificar-se na ESI e na Rioforte.