A noite eleitoral terminou sem direito a maiorias absolutas. Coligação vence com 38,6% dos votos e PS fica em segundo com 32,3%, confirmando o cenário que nos últimos dias já se avistava como o mais provável. Mas em nenhum momento da campanha eleitoral Passos Coelho ou Paulo Portas quiseram fazer previsões de cenários pós-eleitorais, muito menos que apontassem para uma derrota ou uma falta de maioria. E por isso passaram o tempo a pedir um domingo de estabilidade para que a segunda-feira não fosse de “instabilidade”. A dada altura, dramatizaram mesmo o discurso.

Quais os riscos de governar sem maioria? Passos e Portas foram muito claros em relação a isso na reta final da maratona: sem maioria da coligação o PS chumbaria o Orçamento e o programa do Governo e, como PSD e CDS não conseguiriam governar, teriam de ser convocadas novas eleições. Isso causaria instabilidade política e perda de credibilidade internacional, alertavam. Mas agora, com a confirmação do cenário, põem os travões a fundo para dizer que tudo ficará bem se o PS estiver disponível para entendimentos. O PS é o único partido “europeísta” no Parlamento e, como tal, é o único junto do qual Passos e Portas vão procurar entendimentos para legislar e fazer reformas, disseram.

Discurso muito diferente, no entanto, daquele que tinham há menos de uma semana, quando andavam na estrada no apelo ao voto. Nessa altura, os riscos de a coligação não ter maioria eram a morte da estabilidade política em Portugal. Passos materializou esse cenário num discurso muito aplaudido em Santa Maria da Feira, onde jogou tudo num exercício de suposições:

Se nós não tivermos neste Parlamento que vai ser eleito pelos portugueses uma maioria para governar, não poderemos governar, porque não teremos sequer Orçamento, e isso significaria que o país voltaria ao tempo da crise política que só poderia ser resolvida novamente com eleições“, disse na altura. Ou seja, sem maioria, o PS não viabilizaria o Orçamento da direita, nem tão pouco o programa de Governo, o que se traduziria na impossibilidade governar. E se assim fosse, haveria novas eleições dentro de seis meses – era essa a ameaça de Passos.

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“Se o Orçamento não for aprovado pelo parlamento, nós podemos ter simplesmente eleições muito pouco tempo depois”, dizia Passos, concluindo que isso iria conduzir a “uma instabilidade económica grande” que podia obrigar a “eleições muito pouco tempo depois”. “Não creio que isso interesse aos portugueses. Vou dizer aos portugueses que nós precisamos de um Governo estável para poder governar, e isso depende do resultado da escolha que as pessoas vão fazer nas eleições”, dizia.

Também Portas se juntava a este coro para polarizar duas situações: ou haveria no domingo uma maioria positiva, da coligação, ou uma “maioria negativa” do PS com o PCP e BE, partidos anti-euro, como tantas vezes sublinhou. “Há dois tipos de maioria, a maioria positiva, que dá garantias de que Portugal terá um governo estável, e isso quer dizer mais confiança, mais investimento e mais criação de emprego. Diferente é o risco de termos uma maioria negativa: o PS, o PC e o Bloco nunca serão capazes de formar um governo estável porque são contraditórios entre si sobre o euro e a pertença de Portugal à União Europeia”, defendia Portas na altura.

Seria essa maioria negativa que criaria problemas junto da União Europeia. “Se não houver uma maioria positiva, a da coligação, Portugal ficará nas mãos de uma maioria meramente negativa, de obstrução, de bota-abaixo, numa palavra, de instabilidade”, ameaçava Portas.

Esta noite, à medida que iam sendo conhecidos os resultados eleitorais, tanto BE como CDU tentaram efetivamente desafiar Costa para derrubar o governo de direita, mas o líder do PS deitou fora essa possibilidade durante o seu discurso da derrota, ao dizer que não contribuirá para maiorias negativas que criem obstáculos no Parlamento. E, ao contrário do que fez em plena campanha, recusou-se hoje a dizer o que fará a um Orçamento do Estado apresentado pela coligação. “É uma questão extemporânea”, disse.

Com os resultados em cima da mesa, e sem a maioria desejada, o discurso é outro. António Costa não se demite, e Passos e Portas piscam o olho aos entendimentos necessários com o PS. Juntos, dizem, fazem “mais de 70% do Parlamento”. E 70% europeísta, de partidos que querem respeitar as regras da zona euro e devolver os rendimentos aos portugueses.