Alguns já estiveram em S. Bento, ora como ministros, ora como secretários de Estado. Outros vestem pela primeira vez o fato de ministros. Mas aqui quase ninguém é estreante quando o assunto é uma boa polémica: ou porque foram duros com os adversários políticos, ou porque tiveram declarações controversas, ou, ainda, porque se viram envolvidos em processos delicados. As polémicas passadas dos futuros ministros. 

Caldeira Cabral. O Euro “é um fardo”?

Num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios sobre a Grécia, o economista e novo ministro da Economia de António Costa olhava para os casos grego e português para refletir sobre as promessas que não foram cumpridas durante o processo de integração europeia.

Manuel Caldeira Cabral escrevia, então, que “uma das promessas do euro, em particular para os países mais fracos, era a de dar maiores garantias e reforçar a confiança, promovendo maior estabilidade e prosperidade”. Além disso, continuava, a moeda comum tinha sido pensada para “reforçar a confiança” da Zona Euro. Ora, os anos de integração europeia vieram a provar o “contrário”:

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“Hoje, demasiados países do euro estão confrontados com o contrário. Isto é, com serem obrigados a fazerem um esforço maior para conseguirem financiar-se e manter a confiança, exatamente por estarem no euro. Uma moeda comum limita a margem de manobra. Mas uma moeda comum devia reforçar a confiança, sendo especialmente benéfica para os países mais fracos. A gestão que as instituições europeias fizeram da crise, enterrou essa promessa”, argumentava.

Nesse sentido, a “pertença ao euro deixou de ser um valor, para passar a ser um fardo, que contribuiu para afundar de forma mais forte os países mais vulneráveis. A pertença ao euro deixou de ser uma vantagem, para ser apenas algo que devemos manter porque os custos de saída seriam muito elevados“, concluía Caldeira Cabral.

O economista, professor da Universidade do Minho, fez parte do grupo que Costa chamou para preparar o cenário macroeconómico. Foi cabeça de lista por Braga. 

Augusto Santos Silva. Do acordo blindado à esquerda à defesa de Sócrates 

No início de outubro, quando a aliança entre PS, Bloco, PCP e Verdes estava ainda por desenhar, Augusto Santos Silva enumerava várias condições imprescindíveis para levar para a frente essa solução. Primeiro, bloquistas e comunistas deveriam formalizar “esse apoio por escrito e tendo em conta a próxima legislatura – quer dizer, tornarem claro que não se trata apenas de viabilizar a entrada em funções desse governo, mas sim o essencial da sua governação, no que diz respeito, designadamente, à política orçamental”.

Em segundo lugar, esses dois partidos teriam de comprometer-se com a “continuidade da política externa e de defesa, a satisfação dos compromissos europeus, designadamente quanto a défice inferior a 3% e início do processo de redução da dívida pública, a política económica dirigida pelo princípio da economia social de mercado e o retorno a políticas sociais progressivas”.

Sem isso, insistia o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, “o PS deve recusar formar governo, e explicar que recusa porque não embarca em manobras puramente táticas e negativas”, avisava na altura.

AGS

Ainda antes da detenção de José Sócrates, em novembro de 2014, o país político discutia se Cavaco Silva devia ou não agraciar o antigo primeiro-ministro com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo – Sócrates é o único ex-primeiro-ministro que não foi condecorado depois de abandonar funções. 

Com várias figuras do PS a exigirem a Cavaco Silva que homenageasse o antigo primeiro-ministro, seria Augusto Santos Silva, ex-ministro dos Assuntos Parlamentares de Sócrates, a definir o tom. Num texto publicado no Facebook, o agora titular da pasta dos Negócios Estrangeiros era especialmente duro com o Presidente da República:

“Senhor Presidente, (…) não se deixe pressionar. Não condecore Sócrates. É que ele não merece tamanha nódoa no seu currículo. Haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo“.

O início da Operação Marquês acabaria por deixar em suspenso a discussão sobre a condecoração ou não de José Sócrates.

Augusto Santos Silva fez parte do núcleo duro de José Sócrates no Executivo e era um dos homens que lhe dava peso político. Terá um papel semelhante na equipa de António Costa. Dada a experiência governativa, Santos Silva terá papel central nas negociações com os parceiros europeus.

Azeredo Lopes. O ministro que não acredita(va) na união da esquerda. “É um saco de gatos”

“A maior e mais notável lição que se retirará destas eleições é que pela última vez será intelectualmente legítimo falar na votação “da” esquerda. A esquerda não existe (se calhar, nunca existiu) como conceito unitário em Portugal, essa esquerda morreu de morte morrida matada”. Quem o disse? Azeredo Lopes, precisamente o novo ministro do Governo socialista apoiado por Bloco e PCP.

O antigo presidente da ERC e, até agora, chefe de gabinete de Rui Moreira, pronunciava-se assim, em plena campanha, sobre as sondagens que davam a coligação PSD/CDS a fugir em direção à vitória nas eleições ao mesmo ritmo que o PS perdia gás e a PCP e Bloco endureciam o discurso. O homem que chamou “naughty boy” a Cavaco Silva concluía então que a esquerda não era mais do que “um notável, fascinante, incongruente saco de gatos“.

Mais tarde, já depois das eleições e numa altura que PS, Bloco e PCP discutiam abertamente uma possível aliança à esquerda para derrubar Passos e governar, Azeredo Lopes não tinha dúvidas: “Se houver Governo de esquerda, perceber-se-á que PC e BE não têm corninhos e que a treta dos bolcheviques é chão que deu uvas. Essa é a verdadeira revolução: BE e PC poderem ser partidos de poder e isso não ser assustador (mesmo que não se goste ‘deles’)“.

Ana Paula Vitorino. O processo Face Oculta, a despromoção e o corte de relações com António Costa

Em 2010, a ex-secretária de Estado dos Transportes de José Sócrates via o seu nome envolvido na complexa teia da Face Oculta. Não como prevaricadora, mas sim como alegada vítima. Em causa estava o diferendo entre a Refer e Manuel Godinho, o principal arguido no processo – o sucateiro foi, numa primeira fase, condenado a 17 anos e meio de prisão, mas o Tribunal da Relação mandou repetir o julgamento.

A nova ministra do Mar de António Costa terá sido alegadamente pressionada por Mário Lino (ministro das Obras Públicas e dos Transportes de Sócrates) para afastar Luís Pardal, presidente da Refer. Manuel Godinho terá feito fazer valer a sua influência junto de Lino para pressionar Ana Paulo Vitorino e, assim, afastar Pardal.

Além de Mário Lino, Ana Paula Vitorino terá sido pressionada por várias figuras do PS para deixar cair Luís Pardal – ou isso, ou cairia também. A socialista terá ameaçado demitir-se se o presidente da Refer fosse destituído do cargo. Com a condenação da O2, em 2008, o assunto ficou na gaveta.

A segunda polémica chegaria em 2009, mas ainda sob chapéu do Face Oculta. A secretária de Estado queria afastar Cardoso Reis da presidência da CP, mas terá sido alegadamente pressionada por Armando Vara para não o fazer. No segundo mandato de José Sócrates, Ana Paulo Vitorino deixaria a secretaria de Estado para voltar ao Parlamento, quando muitos a apontavam como potencial sucessora de Mário Lino. Alguns socialistas viram na altura o dedo de Armando Vara na sua despromoção.

Na altura, a má relação com António Costa também não terá ajudado, como recorda o mesmo jornal. Os dois eram muito próximos, mas, quando o agora líder socialista se mudou para a Câmara de Lisboa, a gestão do Metro de Lisboa, da Carris ou da Administração do Porto de Lisboa (APL) terá criado profundas divergências entre os dois.

Foi nessa altura, nas legislativas de 2009, que, segundo o Sol, António Costa recusou fazer campanha em Lisboa se Ana Paula Vitorino fosse incluída na lista da capital. A socialista acabaria por concorrer a essas eleições pelo círculo eleitoral do Porto. O tempo ajudou os dois a ultrapassarem as divergências.

João Soares. BE e PCP na reforma da NATO e a relação com Angola

A presença de Portugal na NATO é uma questão sensível para bloquistas e comunistas e o PS terá de servir de âncora para assegurar que os compromissos internacionais do país em matéria de Defesa não serão desrespeitados. Foi, pelo menos, essa a garantia de António Costa a Cavaco Silva.

Ainda assim, há, entre socialistas, quem defenda outro rumo e outra visão para a NATO. É o caso de João Soares, novo ministro da Cultura de António Costa. Em entrevista ao jornal Oje, o socialista disse acreditar que o Bloco e o PCP podem “ajudar a dar um contributo para uma reforma que a NATO precisa de ter”, tendo em conta que a organização que nasceu para suster uma ameaça, a cortina soviética, que hoje já não existe.

Na mesma resposta, João Soares fazia questão de lembrar o papel  da Alemanha na Segunda Grande Guerra para argumentar: por tudo o que causou, o Estado alemão não pode colocar em causa o projeto europeu.

“A Alemanha de hoje, por mais críticas que se tenham para fazer, não tem nada a ver com a Alemanha que desapareceu em 1945. Deve continuar a pagar as dívidas que deixou na Europa e no mundo por essa deriva totalitária inacreditável que se verificou entre 1933 e 1945 e que arrastou a Europa e o mundo para uma guerra devastadora que deixou a Europa completamente em ruínas. Foi daí que nasceu o projeto europeu, portanto, a Alemanha não tem autoridade histórica, nem moral, nem financeira para por em causa o projeto europeu como tem posto“, argumenta João Soares.

O regime angolano e a política externa portuguesa também mereceram duras críticas de João Soares. A posição de “Isabel dos Santos, [do] Sobrinho e [daquela] tropa fandanga que anda à volta daquele poder, que não é democrático e que aliás está à beira de deixar morrer em greve de fome um jovem que se bate pela liberdade em Angola, que é o Luaty Beirão, e os seus companheiros” tinha de merecer uma reclamação formal por parte do Governo português, defendia na altura João Soares.

Mas Passos Coelho e Cavaco Silva não agiram como deviam e Rui Machete é uma “vergonha” e uma “personagem inenarrável” com “relações de familiares com o poder cleptocrático angolano“.

João Soares não poupava, aliás, críticas aos “empregados portugueses” que, por cá, protegem os interesses angolanos. Incluindo mesmo antigos governantes socialistas. “Ter o Luís Amado, que foi ministro de um governo socialista, como presidente pró-forma de um banco como o Banif, para mim é uma coisa que me repugna como socialista. E há outros, os Manuel Pinho, os Pina Moura e outros, que nunca souberam fazer a separação, que é absolutamente imprescindível, fazer entre negócios e vida política. As pessoas não podem estar ao mesmo tempo nos dois sítios”, sublinha.

E o secretário de Estado que é advogado de José Sócrates – Miguel Prata Roque

O novo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Prata Roque, é professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa e especialista em Direito Administrativo. Entre 2005 e 2007, integrou o Governo de José Sócrates como adjunto do ministro dos Assuntos Parlamentares.

Mas as ligações ao ex-primeiro-ministro não se ficam por aqui: o jurista é o advogado de José Sócrates na providência cautelar interposta contra o CM e a CMTV em relação à publicação de notícias sobre a Operação Marquês. E participou num colóquio sobre o PROTAL organizado por causa das suspeitas sobre Vale do Lobo.

Por outro lado, Prata Roque tem-se destacado como uma das vozes mais críticas em relação ao processo de privatização da TAP. Em junho, o até agora coordenador do Observatório Permanente da Administração Pública, dizia, em declarações ao jornal Público, que a venda da TAP envolvia uma situação de “controlo simulado”, alegando que era David Neeleman, dono da companhia aérea Azul, e não Humberto Pedrosa, o verdadeiro dono da empresa.

Miguel Prata Roque não poupava o Governo de Passos. “O que me choca é que se ludibrie o Direito vigente para obter o sucesso de uma operação de privatização de uma empresa estratégica para o país. Quem fez o contacto com o Governo português, quem têm o know how, quem tem o dinheiro, quem fala sobre o assunto é o senhor David Neeleman”, argumentava.

Mas Passos não foi o único alvo de Prata Roque. No mesmo mês, a 11 de junho, no programa Conselho Consultivo da Económico TV, o jurista acusava o Presidente da República de convivermal com a democracia“. Em causa estava o discurso de Cavaco Silva nas comemorações do 10 de junho, onde o Chefe de Estado.

Em véspera de eleições, o Presidente da República deixou um caderno de encargos para o futuro Governo, mas fez questão de criticar os profetas da desgraça e de sublinhar que o país estava melhor. Ora, Miguel Prata Roque não gostou do discurso do “Aníbal no país das maravilhas” e acusou o Presidente da República de se “imiscuir no diálogo político“, ao criticar aqueles que fazem oposição ao Governo PSD/CDS.